OS NEGÓCIOS IMORAIS E O TRIUNFO DA SOBREVIVÊNCIA EM MOÇAMBIQUE

Negócios sujos, lucros limpos: a verdade amarga da economia moçambicana

Maior parte dos negócios mais rentáveis são imorais
”.  - Paulino Intepo. 

Esta inferência do P. Intepo, por mais dura que soe, retrata com uma precisão desconfortável a realidade moçambicana. A imagem de uma idosa sentada, rodeada de sacos de cannabis prontos para venda, é apenas o espelho cru de um país onde a moralidade já não consegue alimentar ninguém. Pois enquanto proprietário de um negócio limpo, muitos se vê a entrar ou adicionar aditivos sujos para conseguir alcançar a meta e satisfazer as exigências burocráticas, como os demasiados impostos e exigências que recaem sobre um negócio limpo. 

Exemplos? Vários! Quem opera a base da gestão de quartos de alugar diário, o que, dependendo da região no país chamam de guest-house, pensão, rest-house, etc. Os impostos são cobrados por instituições como o Conselho Autárquico, Delegação de Trabalho, Turismo, INSS, etc. Por mês e sem contar com os salários e outras despesas como água, luz e material higiénico e de segurança de e para os funcionários, sofre isso, interminavelmente.

A parte mais dolorosa é a participação do governo, como administrador do Estado: dívidas. Isso em situações que ocorrem quando há algum evento e os valores vêm com a justificação de pagar durante o evento depois de alojar as pessoas. Às vezes pagam tarde, na maioria das vezes; em alguns casos tudo fica no esquecimento se não for o caso de ser necessário subornar para beneficiar-se do pagamento. Resultado, és obrigado a aplicar um preço elevado que o normal para compensar ou os organizadores também podem fazer por si, se fores honesto. 

A sobrevivência acima da ética

É dai, igual a tantos outros tipos de negócios, em Moçambique, a fronteira entre o lícito e o ilícito é tão frágil que quase já não existe. O pequeno comerciante que vende pão na esquina vive na margem da fome; o grande empresário, geralmente com conexões políticas, enriquece explorando monopólios, contractos viciados e corrupção sistémica. Entre estes dois extremos, cresce uma economia paralela onde o lucro rápido e volumoso raramente é fruto da honestidade.

Quem vende drogas, contrabandeia combustível, manipula concursos públicos, importa produtos de qualidade duvidosa ou lucra com esquemas de lavagem de dinheiro não o faz por excesso de malícia. Faz, sobretudo, porque percebeu que negócios “limpos” não sustentam uma vida minimamente digna. A ética, em sociedades corroídas, torna-se um luxo de quem já tem a barriga cheia.

Recapitulando no negócio da quartos de aluguer por exemplo, era frequente a dado momento os concorrentes se envolverem em abrigar estrangeiros em situações estranhas como as de imigrantes ilegais, numa situação por exemplo, onde um quarto destinado para uma pessoa e três ou quatro no máximo em casos de se tratar de uma família de baixa renda, abrigar lá mais de 10 homens. Sempre sob risco de estar em contas com as autoridades, em casos de denúncias. 

A moralidade e o Estado ausente

O discurso moralizador que criminaliza estas práticas esquece-se do detalhe mais importante: o Estado moçambicano abandonou o seu povo. Há décadas que a governação se divorciou das necessidades básicas da população. Educação deficiente, saúde precária, desemprego estrutural e salários miseráveis empurram milhares de cidadãos para actividades marginais. Não porque gostam de quebrar a lei, mas porque a lei nunca os protegeu.

O velho ditado “quem trabalha não enriquece” é tão actual que até dói. Em Moçambique, quem trabalha honestamente mal sobrevive. Aliás, no teatro do julgamento das dívidas ocultas, um dos réus declarou: não é possível ficar rico a trabalhar no Aparelho do Estado - mas há funcionários públicos que contrariam essa lógica e através das suas funções e cargos enriquecem ilícitamente num par de meses ou em esquemas de anos. 

Agora, o camponês, o professor, o enfermeiro ou o polícia vivem de restos, enquanto as verdadeiras fortunas nascem de desvios, tráfico, conluio e exploração. Há poucos dias por exemplo, desapareceu uma mala com 20 kg de cocaína no Aeroporto de Mavalane - último rastreio da Interpol. Assim, a lição que a sociedade internaliza é simples: a moralidade não paga contas.

O triunfo dos negócios imorais

Na prática, é fácil identificar que os negócios mais lucrativos em Moçambique seguem esta lógica:

Drogas: altamente rentáveis, apesar da Criminalização e o risco potencial, sobre tudo para os "peixes pequenos". 

Contrabando: de combustível, madeira, pedras preciosas, marfim, carvão, ouro e diamante — tudo alimentado pela cumplicidade de elites.

Corrupção institucionalizada: contractos públicos manipulados, empresas-fantasma que recebem milhões sem sequer existir.

Economia política da miséria: programas de ajuda que enriquecem intermediários e deixam o povo honesto no mesmo lugar.

Enquanto isso, actividades formais, legais e limpas são sufocadas por impostos pesados, burocracia interminável e ausência de protecção ao pequeno empreendedor. O sistema está montado para matar o honesto e premiar o oportunista. Até as empresas legais que operam na Albufeira de Cahora Bassa na área das pescas sentem esse peso sobre algumas autoridades governamentais. 

O dilema moral

O caso da idosa com sacos de cannabis é mais profundo do que parece. Não é apenas uma “criminosa apanhada”. É uma metáfora viva de um país onde até a avó, supostamente símbolo de valores e de tradição, já não vê outra saída senão entregar-se ao mercado ilícito. O que devia ser motivo de vergonha nacional é tratado apenas como caso policial.

A questão não é justificar o crime, mas compreender a raiz: numa sociedade em que a sobrevivência exige imoralidade, culpar o último elo da cadeia é tapar o sol com a peneira. O verdadeiro crime é estrutural e está no sistema que empurra os cidadãos para essas escolhas. Dúvida? Visite os becos de Chamanculo e dei-a uma volta ao Belo Horizonte, tudo na cidade de Maputo há uma radiografia clara, enquanto a Rua Araújo não desvanece sobre quem a conhece. 

Conclusão Crua e Talvez "também" Nua

A verdade nua e crua é que em Moçambique — e em muitas partes de África — a honestidade é um caminho quase suicida. O sistema alimenta e glorifica a imoralidade porque é através dela que o capital circula e se concentra. Quem insiste em ser honesto, raramente passa da linha da pobreza.

Se quisermos inverter este quadro, não basta prender velhas com sacos de droga. É preciso reconfigurar todo um modelo económico e político que normalizou a corrupção, a exploração e a imoralidade como as vias mais rápidas para o sucesso. Até lá, a frase continuará a ecoar com peso e verdade: os negócios mais rentáveis são, sim, imorais.


Sugestões de obras que em partes inspiraram na redacção dessa matéria:

👉 Analisa como instituições frágeis e corruptas matam o desenvolvimento.


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