REFLEXO DA VIDA - O PESO DAS DECISÕES E A DUALIDADE DO CAMINHO

Créditos: 7j23 no X

A imagem apresenta uma cena rica em simbolismo, onde um homem empurra um carrinho de bebê, nos primeiros momentos da vida do, com seu reflexo no "espelho" do chão exibindo uma versão sombria da mesma acção. Nesse caso, o bebê já crescido, tornou-se adulto, empurra a cadeira de rodas com o velhote, nas últimas fases da vida. Reciprocidade natural, de como devia ser modelo de vida na terra. 

Vamos Verbalyzador Esta Bela e Profunda Cena.

Este contraste entre a realidade e o reflexo suscita reflexões profundas sobre a dualidade da existência, as consequências de nossas escolhas e o impacto do meio social e moral na vida. O que demos como cuidados no seu início, pode nos ser retribuído depois no nosso fim da jornada. 

O homem, ao conduzir o carrinho, simboliza responsabilidade, cuidado e o compromisso de orientar as novas gerações. No entanto, seu reflexo inverso retrata uma face sombria, que pode aludir às lutas internas, aos sacrifícios ou até às pressões sociais que, muitas vezes, passam despercebidas em uma observação superficial: cuidar à quem lhe cuidou. 

Essa dualidade aponta para o facto de que, por trás de cada acto de amor ou dever, pode haver uma batalha invisível ou um custo emocional oculto que nos será cobrado, ainda que não pela mesma moeda. Pode ser mais ou menos, porém será o resultado das nossas acções passadas. 

Além disso, o reflexo também pode ser interpretado como um alerta sobre como nossas acções, mesmo as aparentemente positivas, têm consequências que reverberam além do momento. Assim como a imagem reflecte uma continuidade invertida, nossas escolhas moldam não só o presente, mas também as sombras que carregamos ao longo da vida.

Em suma, a imagem nos convida a ponderar sobre quem somos, o que mostramos ao mundo e o que guardamos dentro de nós. Ela nos desafia a buscar equilíbrio entre os desafios pessoais e o impacto de nossas decisões sobre os outros, especialmente aqueles que dependem de nós. 

Afinal, somos reflexos de nossas acções, e o mundo que construímos para as próximas gerações será inevitavelmente moldado pelas sombras e luzes de nossas escolhas.

Agora, como é que aparece o conflito ou a confusão de acusar os mais velhos, os da terceira idade sobretudo, de prática de feitiçaria? Será que nascemos santos e só quando se envelhece é que se torna ameaça - feiticeiros? Não é suposto cuidarmos, como reconhecimento e agradecimento, por não nos terem abortado, aos nossos progenitores e encarregados de educação por nos terem aceite viver e tornar-se naquilo que somos actualmente?

A imagem pode também espelhar a contradição humana

A imagem que nos confronta é de uma brutalidade simbólica devastadora: acima, um adulto empurra carinhosamente um carrinho de bebé; abaixo, o reflexo distorcido revela o mesmo gesto transformado em abandono - outro adulto empurra uma cadeira de rodas com um idoso. Esta assimetria não é acidental; é o retrato cru da hipocrisia humana quando confrontada com o ciclo inexorável da vida.

O reflexo não mente. Ele revela a verdade que preferimos esconder: que o mesmo amor que dedicamos ao início da vida se transforma, frequentemente, em desprezo pelo seu fim como retorno. A mesma mão que protege a fragilidade infantil é capaz de rejeitar a fragilidade senil. Emergindo destaIfeita a inversão moral: de protegidos a acusados. 

Como é que aqueles que nos deram vida se tornam, aos nossos olhos, ladrões dela?

A resposta é tão perturbadora quanto simples: porque escolhemos esquecer que somos o produto directo das suas decisões. Cada idoso acusado de feitiçaria carrega no corpo enrugado as marcas de ter escolhido não nos abortar quando éramos apenas uma possibilidade. Carrega nas mãos calejadas o peso de ter trabalhado para que chegássemos até aqui. Carrega no coração cansado o amor que nos permitiu existir.

A acusação de feitiçaria não é sobre magia negra - é sobre a nossa incapacidade de lidar com a própria mortalidade. É mais fácil culpar o idoso pelos nossos fracassos do que assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas. É mais simples queimar um corpo frágil do que queimar as nossas próprias limitações. Revelando dessa forma a susceptibilidades de como a santidade é perdida na visão da juventude perante aos adultos.

Nascemos santos e envelhecemos demónios?

Esta questão expõe a perversidade do nosso raciocínio. Se a idade transforma automaticamente alguém em feiticeiro, então todos nós somos feiticeiros em potência. Cada criança que protegemos hoje será, segundo esta lógica doentia, uma ameaça amanhã. Quer dizer, ao invés de venerarmos os bebés hoje para mostrar essa vénia amanhã, há ainda riscos de eles nos verem como demónios! 

A verdade é que não nascemos santos. Nascemos selvagens, e são precisamente esses idosos - hoje acusados de maldade - que nos civilizaram. Foram eles que nos ensinaram a falar, a andar, a distinguir o certo do errado. Se há maldade no mundo, talvez devêssemos questionar não a origem, mas o destino dessa educação a nós devida. 

O Peso da Dívida Existencial

Existe uma dívida que nunca poderemos pagar: a dívida de existir. Cada respiração nossa é um empréstimo feito por aqueles que escolheram dar-nos vida quando podiam ter escolhido não o fazer. Cada conquista nossa é construída sobre o sacrifício daqueles que abdicaram do seu próprio conforto para garantir o nosso crescimento.

Quando acusamos um idoso de feitiçaria, estamos, na verdade, a tentar cancelar esta dívida através da violência. É como se, eliminando o credor, a dívida desaparecesse. Mas a dívida permanece, e com ela, a nossa própria humanidade perdida. É como jogar todos valores que temos ao chão e dar costas, seguir o vazio que nos manterá sombrios até ao fim dos nossos dias, seja por acidente doméstico, trabalho, doença ou causas naturais. 

Mas se encararmos a Cadeira de Rodas como Espelho do Carrinho de Bebé, a visão fica diferente, ainda que não ressoe a dualidade divina, inicialmente proposta acima. 

A genialidade cruel da imagem já inside na simetria invertida: o carrinho de bebé e a cadeira de rodas são, essencialmente, o mesmo objecto. Mas, ambos transportam vulnerabilidades. Ambos exigem cuidado. Ambos representam dependência.

Então, a vida nos revela que a diferença não está no objecto, mas no nosso olhar. Vemos o bebé como promessa; vemos o idoso como ameaça. Vemos no primeiro a esperança; no segundo, o medo. Esta diferença de perspetiva revela não a natureza dos vulneráveis, mas a nossa própria natureza corrompida pelo avesso da incompreensão dos ditames divinos. 

Se existe feitiçaria verdadeira nos bairros moçambicanos, ela não reside nas práticas dos idosos. Reside na nossa capacidade mágica de transformar amor em ódio, gratidão em ressentimento, proteção em abandono.

O feitiço mais poderoso é aquele que nos faz esquecer que fomos crianças dependentes. Que nos faz esquecer que seremos, se tivermos sorte, idosos vulneráveis. Que nos faz esquecer que a vida é um círculo, não uma linha reta onde podemos descartar aqueles que ficaram para trás.

A Escolha Entre Reflexos

Temos, diariamente, uma escolha. Podemos escolher ver no idoso o reflexo do bebé que fomos - merecedor de cuidado, amor e protecção. Ou podemos escolher ver nele uma distorção ameaçadora que deve ser eliminada.

Esta escolha define não apenas o destino dos idosos, mas o nosso próprio destino. Porque aquilo que fazemos aos velhos hoje, os novos farão a nós amanhã. O reflexo não mente: ele apenas nos mostra o futuro que estamos a construir com as nossas mãos e mesmo assim, não é suficiente para quebrar este Espelho da Vida. 

Porque na imagem do carrinho e da cadeira de rodas, a vida nos dá a possibilidade de ver a volta nessa jornada como sendo um espelho que não podemos descartar, simplesmente, porque também quebrar o espelho não elimina a realidade que ele reflecte. Só elimina a nossa capacidade de a ver.

Enquanto continuarmos a queimar idosos sob acusações de feitiçaria, estaremos, na verdade, a queimar o nosso próprio futuro. Estaremos a ensinar às crianças que empurramos hoje em carrinhos que, amanhã, quando estivermos em cadeiras de rodas, também mereceremos ser queimados, descartados, etc. 


O peso das decisões que tomamos hoje sobre os idosos será, inevitavelmente, o peso das decisões que tomarão sobre nós amanhã. A dualidade do caminho não nos permite escapar: ou cuidamos de todos os vulneráveis, ou todos os vulneráveis seremos abandonados.


O reflexo da vida não mente. Apenas nos mostra a verdade que preferimos não ver: que somos todos, simultaneamente, o bebé no carrinho e o idoso na cadeira de rodas. A diferença é apenas uma questão de tempo.

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