TRAORÉ, O ÍCONE AFRICANO QUE MOÇAMBIQUE E A GOOGLE IGNORARAM
Uma África Unida, Menos Maputo e Silicon Valley
Em 30 de Abril de 2025, o continente africano parecia pulsar ao ritmo de um único nome: Ibrahim Traoré, o jovem presidente interino de Burkina Faso. De Accra a Addis Abeba, de Lagos a Nairóbi, a sua mensagem de soberania, anti-imperialismo e autossuficiência ecoava em manifestações, posts nas redes sociais e discursos inflamados em francês, traduzidos e transcritos em inglês e nas línguas locais de cada região dessa parcela do continente.
Enquanto África celebrava, Moçambique e a Google pareciam estar noutra galáxia. Em Maputo, os moçambicanos estavam obcecados com os primeiros 100 dias de Daniel Chapo, o novo presidente da Frelimo, onde só o partido no poder via brilho, enquanto o povo via sombras. Onde só os membros têm benefícios e o resto do povo vive de sobras de tudo quanto pode ser valioso, se for despercebido dos camaradas - caso não, nem migalhas o povo terá.
A Febre Traoré e o Silêncio Moçambicano
No dia 30 de Abril de 2025, Traoré era o assunto do momento. A sua presença na cimeira da União Africana em Fevereiro, onde foi aplaudido como um rockstar, e o seu discurso de Ano Novo, prometendo um Burkina Faso livre de "grilhões ocidentais", incendiaram as redes sociais.
Posts exaltavam as suas conquistas: crescimento do PIB de 18,8 para 22,1 mil milhões de dólares em dois anos, rejeição de empréstimos do FMI e Banco Mundial, redução de salários de ministros em 30% e aumento de 50% para funcionários públicos.
A construção de fábricas de tomate e algodão, a nacionalização de minas de ouro e o novo aeroporto de Ouagadougou-Donsin, com capacidade para 1 milhão de passageiros, construção e reabilitação de mais de 5000 km de estradas junto de infraestruturas adjacentes só com borquinabes no projecto, eram provas tangíveis de um líder que "fazia acontecer".
Mas em Moçambique? Silêncio. Nenhuma manifestação de apoio a Traoré, nenhuma hashtag #TraoréInspira. Em vez disso, as conversas nas ruas de Maputo, Beira e Nampula giravam em torno de Daniel Chapo, empossado a 15 de Janeiro de 2025, após uma eleição marcada por acusações de fraude e o fulgor da Chama da Unidade forte e altamente escoltada.
Enquanto Traoré era celebrado como o "novo Sankara", Chapo enfrentava uma nação dividida, com protestos que resultaram em mais de 300 mortes, segundo grupos locais de direitos humanos. Os outros cidadãos revivem na pela os misteriosos raptos e baleamentos que nunca são esclarecidos a tempo e muito menos combatidos de alguma forma.
O que Moçambique Procurava no Google?
Enquanto África pesquisava "Ibrahim Traoré conquistas" ou "Traoré vs neocolonialismo", em Moçambique as pesquisas eram outras: "Daniel Chapo 100 dias", "Frelimo fraude eleitoral", "protestos Moçambique 2025". Até que nada mal, cada povo têm suas prioridades e delas delimitam-se os seus princípios para satisfazer os desafios.
Do mesmo jeito a Google, esse gigante que tudo sabe, parecia indiferente à febre Traoré. Os algoritmos, talvez moldados por interesses ocidentais, não colocavam Traoré no topo das tendências em Moçambique.
Em vez disso, priorizavam notícias sobre a crise política local, com manchetes da Reuters e BBC a destacar a posse de Chapo, as 300 mortes em protestos e as acusações de manipulação eleitoral.
Frelimo Vê Ouro, o Povo Vê Pó
A narrativa da Frelimo sobre os 100 dias de Chapo é de optimismo forçado. O partido apontou promessas de combater a insurgência em Cabo Delgado, atrair investimento estrangeiro e criar empregos para jovens, etc.
Mas os factos contam outra história. A violência pós-eleitoral não cessou, com a polícia a usar balas reais contra manifestantes pacíficos, segundo a Human Rights Watch. Até mesmo quadros, membros e simpatizantes de outras formações políticas, estão sendo caçados pelas autoridades estatais. E neles juntam-se os activistas e entre outras mentes ousadas e determinadas a causa, rejeitando qualquer suborno para desistir.
A economia, afectada por anos de corrupção como o escândalo da "Dívida Oculta" não mostra sinais de recuperação. A pobreza, que subiu de 46% para 65% na última década, continua a sufocar a juventude, cujo desemprego ronda os 40%.
Mondlane, com o seu slogan "Salve Moçambique – este país é nosso", captura o descontentamento, especialmente entre os jovens, que viam em Chapo apenas mais um peão da elite da Frelimo.
A Ironia: Moçambique, Google e o Isolamento
A ironia é que Moçambique, um país com uma história de luta anticolonial semelhante à de Burkina Faso, ignorou Traoré no seu momento de glória. Pode ser que ignora até então, vivamente. Uma vez que só se pode ver algumas manifestações, ainda que tímidas, nas redes sociais sobre o caso.
Enquanto o continente celebrava um líder que dizia "África não precisa do Ocidente", Moçambique estava preso numa crise interna, com a Frelimo a pintar um quadro cor-de-rosa que só ela via. De vermelho, nas ruas e avenidas de certas cidades, houveram marchas de exaltação do nada, aos primeiros 100 dias de governação, arrastado para data 3 de Março de 2025.
A Google, por sua vez, com o seu papel de gatekeeper da informação, parecia mais interessada em amplificar a narrativa ocidental sobre Moçambique – protestos, fraudes, instabilidade – do que em destacar a revolução de Traoré.
Este contraste revela uma verdade incómoda: enquanto Traoré unia África com uma visão pan-africanista, Moçambique estava fragmentado, com a Frelimo a governar para si mesma e o povo a lutar por um futuro que não chegará enquanto ela reinar e o povo não descobrir a fórmula certa para afastá-la.
Talvez, se os moçambicanos tivessem olhado para Ouagadougou em vez de googlar "Chapo promessas", teriam encontrado inspiração em Traoré para exigir mais dos seus líderes. Talvez, seja a altura de recuar, porque mesmo Deus, se existe, tenha tido como o mensageiro o Roque Silva, a três anos, que Moçambique está fadado ao sofrimento.
Por agora, a 30 de Abril de 2025, enquanto África cantava o nome de Ibrahim, Moçambique e a Google dançavam uma valsa diferente – uma de desilusão e desconexão.
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