QUANDO A GESTÃO DO RISCO ESCONDE OUTROS RISCOS!

Quando o direito à memória, à pertença e à dignidade humana entra em causa!

Mais vale prevenir do que remediar”, diz a placa do INGD cravada à entrada da Unidade Chimadzi, bairro Mateus Sansão Mutemba, na cidade de Tete. Mas prevenir quem? De quê exactamente? E com que base?

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Não é raro em Moçambique vermos placas a surgirem de repente, com proibições definitivas e categóricas, onde antes só havia o silêncio do Estado. O caso da zona de Chimadzi é um desses que exige mais do que uma leitura técnica — precisa de um olhar humano, histórico e crítico. 

Ali vivem famílias há mais de meio século. Muitos ergueram ali as suas vidas quando a cidade ainda estava a dar os primeiros passos como espaço urbano consolidado. Casas melhoradas, acesso à energia, rede de água canalizada em alguns pontos, e uma identidade comunitária que levou décadas a construir.

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De repente, chega uma placa: “ZONA PROPENSA A INUNDAÇÕES – PROIBIDO CONSTRUIR CASA”, sob pretexto da Lei n.º 10/2020 de 24 de Agosto, artigo 49, alínea b). E instala-se o medo. Não por causa da chuva. Mas pelo que realmente ameaça essas famílias: a expulsão.

A dúvida instala-se quando moradores, muitos deles com mais de 50 anos a viver no mesmo local, afirmam nunca ter visto uma inundação que afectasse as casas. É uma zona baixa, sim. Está próxima do Zambeze, sim. Mas não há registo de desastres na memória colectiva da comunidade. E isso importa.

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Ao mesmo tempo, surgem rumores sobre interesses privados: um suposto investidor chinês, um empresário local com planos para uma pista de motocross, e outros cenários típicos do capitalismo informal que se veste de legalidade institucional. O que é certo é que a placa apareceu de surpresa. Não houve auscultação comunitária. Não houve estudo publicado. Não houve discussão técnica pública. Houve, isso sim, uma imposição. E onde o Estado impõe sem diálogo, o povo suspeita – e com razão.

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O que também deixa a desejar noutros cenários

Os reassentamentos propostos pelas autoridades em situações semelhantes deixaram marcas profundas. A realidade é conhecida: terrenos distantes, sem acesso a escolas, centros de saúde, energia, mercados ou transporte. 

Zonas onde a promessa de uma “vida segura” se traduz num exílio social, forçado e empobrecedor. Muitos dos reassentados acabam por regressar, porque o risco de viver sem dignidade é maior do que o risco de uma cheia que nunca chega.

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Neste contexto, perguntar se o Estado deve obrigar as pessoas a abandonar suas casas é desviar o foco. A questão certa é: por que não se trabalha com as comunidades para mitigar riscos reais e não supostos? Se há risco de inundação, por que não investir em sistemas de drenagem, alertas antecipados, zonas de refúgio temporário e reforço das infra-estruturas? Por que o caminho mais fácil é sempre ameaça de expulsão e nunca a solução?

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O que está em causa é mais do que uma zona de risco. É o direito à cidade, à memória, à pertença e à dignidade. É a eterna tendência de um Estado que não dialoga, mas impõe; que não serve, mas ordena; que protege interesses económicos obscuros enquanto fragiliza os já vulneráveis.

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Se o Governo e as autoridades municipais querem, de facto, proteger vidas, que o façam com base em evidências científicas, estudos climatológicos sérios, e diálogo aberto com os residentes. Que deixem de esconder, atrás de leis mal explicadas, decisões tomadas nos bastidores para servir interesses privados. E que compreendam, de uma vez por todas, que uma comunidade só se protege verdadeiramente quando se sente ouvida, respeitada e incluída.

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Porque o maior risco não é a chuva. É a arrogância institucional disfarçada de prevenção.


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