O QUE SIGNIFICA A SELECÇÃO ESTRATÉGICA DA 'ROVOS RAIL'

Por que a Rovos Rail Exclui Moçambique e Malawi de Suas Rotas

A ausência de Moçambique e do Malawi nas rotas actuais da luxuosa Rovos Rail não é um acaso nem um mero detalhe técnico. Esta exclusão reflecte um conjunto intricado de factores históricos, infraestruturais, políticos e económicos, que se entrelaçam para revelar não apenas o estado do transporte ferroviário regional, mas também a forma como o sul global é inserido, ou deixado à margem, das grandes redes de turismo de alto padrão.

“Os trilhos de ferro seguem os caminhos do poder.”

🛤️🧭 — (paráfrase inspirada em Frantz Fanon)

⬛⬛ A escolha das rotas ferroviárias revela mais do que geografia: expõe relações de desigualdade, prioridades políticas e quem se pretende conectar — ou deixar de fora. ⬛⬛

Olhemos no legado histórico e promessas inacabadas

Moçambique e o Malawi partilham uma longa história de interligação ferroviária, forjada durante o período colonial. A linha de Sena, que conecta o Porto da Beira ao interior malawiano, foi durante décadas um eixo estratégico para o escoamento de mercadorias — primeiro ao serviço do império britânico, depois como pilar das economias pós-independência. No entanto, esse passado não garantiu continuidade. A guerra civil moçambicana (1977-1992) e o desinvestimento crónico nas décadas seguintes deixaram as infraestruturas ferroviárias num estado de degradação avançada.

Actualmente, a linha de Sena encontra-se funcional em partes, mas ainda longe dos padrões exigidos por uma operadora como a Rovos Rail, cujo modelo de negócio assenta na oferta de viagens exclusivas, confortáveis e seguras. Ao contrário das linhas ferroviárias modernas e bem mantidas da África do Sul, Botsuana ou Tanzânia, o troço moçambicano não oferece a fiabilidade ou o glamour exigido pelo turismo de luxo.

A política da exclusão - entre a geopolítica e o mercado

A decisão da Rovos Rail de excluir Moçambique e o Malawi das suas rotas também responde a factores políticos e económicos mais amplos. O turismo ferroviário de luxo está inserido numa lógica de rentabilidade e imagem. Os operadores preferem trajectos previsíveis, com paisagens seguras, acessos simplificados e estabilidade institucional. Nesse sentido, os constrangimentos logísticos — como os complexos procedimentos fronteiriços entre Moçambique e o Malawi, os atrasos em estações, e a falta de modernização dos carris — tornam-se entraves difíceis de justificar junto de um público que paga milhares de dólares por uma viagem.

Apesar de haver sinais positivos — como negociações em curso para reabilitar as ligações transfronteiriças e remover barreiras administrativas — o processo avança com lentidão. As prioridades dos governos locais parecem frequentemente capturadas por interesses de curto prazo ou por disputas burocráticas entre entidades públicas e privadas. Não se trata apenas de falta de financiamento, mas de ausência de vontade política coordenada para integrar as redes ferroviárias regionais numa lógica de desenvolvimento conjunto e sustentável.

Selecção estratégica da Rovos Rail

Ao traçar suas rotas principais — como a famosa jornada de Cidade do Cabo a Dar es Salaam — a Rovos Rail privilegiou países cujas infraestruturas ferroviárias estão relativamente consolidadas e onde há uma imagem internacional mais controlada. África do Sul, Zimbabwe, Zâmbia e Tanzânia, apesar dos seus próprios desafios, conseguem garantir à empresa estabilidade operacional e experiências vendáveis no mercado global do turismo de elite.

Nesse contexto, Moçambique e Malawi são ainda vistos como destinos logísticos imprevisíveis, o que acaba por reforçar o seu isolamento das grandes rotas turísticas africanas. A exclusão, assim, não é apenas consequência de limitações técnicas; ela é também uma manifestação de uma geografia política do privilégio, onde certos países — mesmo com enorme potencial — permanecem fora do mapa por não conseguirem adaptar-se ao modelo de negócio internacional.

Possibilidades futuras, se houver visão regional

Apesar do cenário actual, há espaço para optimismo — desde que se avance com visão estratégica. Os acordos em negociação entre Moçambique e o Malawi para melhorar a interoperabilidade ferroviária, reabilitar linhas e facilitar a circulação de bens e pessoas são passos na direcção certa. Contudo, para que Moçambique venha a integrar rotas da Rovos Rail ou de outras operadoras similares, será necessário um compromisso de longo prazo com a modernização ferroviária, a simplificação fronteiriça e a promoção da estabilidade institucional.

Mais do que restaurar carris ou linhas férreas, é urgente repensar a inserção do país nas redes regionais de mobilidade e turismo. A entrada num circuito como o da Rovos Rail exige mais do que obras — exige visão, coordenação, e uma política de transporte que vá além da mera logística e se assuma como instrumento de integração económica e diplomática regional.




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