A DITADURA DA BELEZA
Por Lino TEBULO
A dado momento as imagens reais do país ilustram que a pobreza tornou-se um palco de conveniências políticas. Um cenário que, em vez de inspirar políticas sérias de transformação social, serve de instrumento estratégico para sustentar a narrativa de um país “carente” — imagem útil quando se trata de pedir empréstimos, subvenções ou apoios internacionais. E o mais triste é que essa pobreza, que devora vidas e sonhos, tem sido mais útil ao governo do que ao próprio povo que a carrega no corpo e na alma.
O recente acidente em Vanduzi, na província de Manica, expôs mais uma vez o retrato cru dessa realidade. Um camião-cisterna que transportava combustível despistou-se e capotou de madrugada na Estrada Nacional N.º 7. Pouco depois, populares aproximaram-se para recolher o combustível derramado — uma tentativa desesperada de aproveitar o que para eles parecia uma oportunidade rara num país onde o litro de combustível pesa mais no bolso do que o pão na mesa. Mas a tragédia foi inevitável: o camião incendiou-se, matando pessoas, incluindo uma mulher com o bebé ao colo, e ferindo gravemente outras.
A explicação oficial é sempre a mesma — “imprudência dos populares” — e termina ali. O discurso governamental raramente avança para a verdadeira pergunta: o que leva um cidadão a arriscar a própria vida por alguns litros de combustível? Não se trata apenas de ignorância, mas de desespero. Um desespero que nasce da pobreza e cresce no abandono. Quando a sobrevivência é um acto de risco, o erro não está no povo, está no sistema que o força a escolher entre morrer de fome ou morrer tentando escapar dela.
O governo de Moçambique, como tantos outros no continente, tem feito da pobreza um cartão de visita internacional. Quanto mais pobres aparecem nas estatísticas, mais justificáveis se tornam os pedidos de ajuda, os financiamentos, as doações “em nome dos necessitados”. Só que, na prática, essa pobreza raramente se transforma em desenvolvimento. Os recursos que deveriam aliviar o sofrimento do povo perdem-se nos corredores do poder, nas contas bancárias de familiares e amantes de dirigentes, em projectos fantasmas e em carros luxuosos que rodam pelas mesmas estradas onde o povo morre.
O acidente de Vanduzi não é apenas uma tragédia rodoviária — é uma metáfora nacional. O camião que transportava combustível representa o país: cheio de riqueza potencial, mas sempre à beira de explodir; conduzido por um sistema cansado e desgovernado, e rodeado por cidadãos famintos que tentam colher as sobras do que devia ser deles por direito. Quando finalmente o camião arde, o Estado chora lágrimas ensaiadas em conferências de imprensa, enquanto o povo enterra os seus mortos e recomeça o ciclo da miséria.
O que espanta é a normalidade com que essas tragédias são tratadas. Cada explosão, cada enchente, cada desabamento de uma ponte ou mina, vira manchete por um dia e depois cai no esquecimento — até à próxima catástrofe. E assim se vai alimentando o ciclo da pobreza útil: útil para justificar incompetências, útil para negociar empréstimos, útil para perpetuar o discurso da dependência. Aliás, até que a tragédia de Vanduzi nos fez esquecer dos escândalos e crimes que nunca serão esclarecidos e nem haverá culpados ou Responsabilização. Para nos alegrar e esquecer nos premiaram saindo da lista cinzenta do GAFI, mas o que isso vai mudar na vida dos que realmente sofrem das consequências da má governação?
Enquanto isso, o povo de Vanduzi e de tantos outros lugares continua sem acesso a empregos dignos, a escolas funcionais, a estradas seguras e a esperança concreta. Continua a ser o retrato que o governo exibe ao mundo para atrair dinheiro — mas nunca o beneficiário desse dinheiro.
Em suma, quando a pobreza serve mais ao governo que ao povo, o país transforma-se num teatro de miséria encenada. E cada cidadão pobre, cada vida perdida, cada camião em chamas, torna-se apenas mais uma peça desse espectáculo cruel onde os governantes são os actores principais e o povo, como sempre, a plateia que sofre em silêncio. É claro que foi acidente e não tem haver com política. Dirão outros analistas e por enquanto, que Deus abençoe Moçambique...
Parece que “a pobreza em Moçambique não é um acidente — é uma política.” Anónimo
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