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A PREGUIÇA DE PENSAR E O VELHO QUE VOLTOU À ESCOLA

“A verdadeira ignorância não está em não saber, mas em não querer saber.” — Albert Camus

Há um tipo de pobreza que não se mede em números, mas em atitude: é a preguiça de pensar. Essa apatia silenciosa que se instala quando o ser humano deixa de questionar, de investigar, de duvidar. É uma preguiça que não se manifesta pelo corpo, mas pela mente — e talvez por isso mesmo seja mais perigosa. Porque quem deixa de pensar por si, passa a ser pensado pelos outros.

Vivemos um tempo em que o excesso de informação já não significa sabedoria. As pessoas consomem ideias rápidas, comparações fáceis, frases feitas e propaganda de bolso como quem toma comprimidos para não sentir dor. O problema é que, ao fugir da fadiga de pensar, cria-se uma sociedade que não analisa, apenas repete. E quando todos repetem, ninguém se transforma.

A preguiça de pensar manifesta-se de muitas formas: quando preferimos acreditar num vídeo curto em vez de ler um texto; quando partilhamos opiniões sem confirmar os factos; quando comparamos vidas e realidades diferentes apenas para justificar o nosso conforto. É uma preguiça que nos faz julgar com pressa e compreender devagar. Aceitamos o que é dito, imitamos o que é mostrado, seguimos o que é moda — e chamamos a isso “liberdade”.

Mas pensar é trabalho. É desconfortável. Obriga-nos a sair da fila do “todos fazem assim” e a seguir pela estrada onde cada passo precisa ser escolhido. Pensar é questionar a propaganda que promete o paraíso em prestações, é olhar para a comparação fácil e perguntar: “Será mesmo que tudo se reduz a isto?”. Pensar é duvidar com responsabilidade.

E é precisamente essa disposição para o esforço mental que torna tão valiosa a história de Kimani Ng’ang’a Maruge, do Quénia. Um homem que, aos 84 anos, decidiu entrar para o primeiro ano da escola primária. Não foi por vaidade, nem para aparecer nos jornais. Foi porque queria compreender o mundo pelas próprias letras. Queria ler a Bíblia sem intermediários, contar o próprio dinheiro, reconhecer as palavras que antes lhe passavam diante dos olhos como enigmas indecifráveis.

A história é verídica: registada oficialmente pelo Guinness World Records, Maruge foi o estudante mais velho do mundo a iniciar a escola primária, em 12 de Janeiro de 2004. A sua imagem sentado entre crianças, lápis na mão e olhar firme, é uma das mais belas lições de humanidade e resistência intelectual do nosso tempo.

Enquanto tantos jovens desistem do estudo alegando cansaço, falta de tempo ou desmotivação, um homem com quase nove décadas de vida caminhava quilómetros todos os dias para chegar à sala de aula. Enquanto muitos entregam o próprio raciocínio às redes sociais e aos “influenciadores de bolso”, Maruge resgatava o poder de pensar com autonomia.

A sua decisão foi mais do que uma busca por alfabetização; foi um grito silencioso contra a preguiça de pensar. Ele mostrou que o acto de aprender é, antes de tudo, um acto de coragem. E que o verdadeiro atraso de uma sociedade não está na falta de escolas, mas na falta de vontade de aprender — sobretudo quando aprender significa mudar.

Nos dias de hoje, estudar continua a ser um gesto de revolução. Não porque garante emprego, mas porque fortalece o discernimento. Num mundo saturado de comparações fúteis e propaganda camuflada de verdade, quem estuda adquire o poder de separar o que é essencial do que é ruído. E esse poder não tem idade.

A lição de Maruge é simples, mas profunda: nunca é tarde para pensar. E pensar é o primeiro passo para deixar de ser manipulado. Ele provou, com o seu corpo cansado e mente desperta, que o tempo não é inimigo do conhecimento — o inimigo é a preguiça que adormece a consciência.

Portanto, talvez a maior vantagem de estudar hoje — em Moçambique, em África, no mundo — não seja apenas a de conseguir um diploma, mas a de recuperar a capacidade de pensar por si mesmo. Porque quem pensa é livre, e quem é livre não se deixa enganar pelas comparações fáceis nem pelas propagandas de bolso que transformam mentes em mercado.

Maruge não foi à escola apenas para aprender a ler; foi para relembrar ao mundo que a ignorância começa no momento em que desistimos de questionar.

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Por Paulino Intepo



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