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A CRUELDADE SIMPLES DO MUNDO E O LABIRINTO MORAL EM QUE VIVEMOS

Foi no domingo, 16 de Novembro de 2025. Estava em Moçambique — o local exacto não interessa — atravessado por uma pergunta tão velha quanto a própria poeira do Universo: para que vivemos? A humanidade gosta de fingir que sabe. Criou religiões para amparar o medo, tradições para ordenar o caos e sistemas para domar o indomável. Mas à minha frente só vejo o mesmo abismo que sempre esteve lá: a brutal indiferença da existência.

O Universo expande-se em silêncio. Nós, criaturas microscópicas, tentamos encontrar sentido numa imensidão que não quer saber de nós. E por mais que procuremos respostas elevadas, a verdade brutal é esta: o bem exige esforço, autorização, estrutura; o mal não exige nada. É imediato, acessível, barato — quase um produto natural da liberdade humana.

Para fazer o bem, precisas de permissão, regras, carimbos, entidades que te digam sim, podes. Para fazer o mal, basta um pensamento e a ausência de testemunhas. É clandestino, é rápido, é simples. E talvez seja por isso que o mundo, apesar de tantos discursos, continua a tropeçar nas mesmas sombras.

Olha Moçambique: até para organizar um simples espectáculo, doar um bem, erguer qualquer infraestruturas para utilidade pública sem fins lucrativos, precisas de contactar entidades governamentais, pedir aprovações, justificar intenções — quase como se o bem público fosse suspeito. Já o mal, esse circula solto, invisível, sem filas, sem formulários, sem carimbos. Move-se na escuridão que a própria burocracia ajuda a criar.

Ou melhor, o pior de tudo, circulam mensagens das operadoras de telefonia móvel sobre actualização de dados de registo dos cartões, para obtenção do NUTEL e continuar a usufruir os serviços das redes de comunicação, que estava previsto que fosse grátis. Mas o que vimos na loja da Movitel da Maxixe é um autêntico absurdo. Uma fila lentamente gerida pelo pessoal do balcão e uma sucursal fora da loja, junto à entrada, que cobra 20 meticais para o tal registo que está dito que é grátis.

Ah! E aqueles que deitam comida nas refeições por não gostar, por falta de apetite, por qualquer motivo sem sentido enquanto os outros a periferia ou mesmo na vizinhança, dormem a fome por falta de o que comer. E mesmo sabendo da situação dos outros a sua volta, alguns tem receio de ajudar por temer as más interpretações que podem advir. Tal alguns envergonham-se por demonstrar que necessitam ajuda. Enquanto os outros vendem o que devia ser de graça, na mesmo paralelo onde aplausos vão aos que só cumprem o seu dever, gozando de impunidade e até falta de remorso quando por pura falta de vontade não o fazem, ainda que seja para salvar vida de outro ser humano.

E é aqui que a reflexão dói: talvez não seja o mal que é fácil — talvez sejamos nós que tornámos o bem quase impossível. Criámos sistemas que sufocam a iniciativa, estruturas que confundem protecção com controlo, e um ambiente onde o acto de construir exige mais coragem do que o acto de destruir.

O propósito de viver? Talvez seja exactamente enfrentar essa assimetria. Recusar o caminho fácil. Fazer o bem mesmo quando parece proibido, lento, cheio de obstáculos. Porque o Universo não nos oferece sentido; somos nós que o arrancamos à força.

E nessa luta – árdua, ingrata, mas profundamente humana – está talvez a única forma de transcendência que nos resta.

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