AS CASAS DE COLMO: UM SÍMBOLO DE HERANÇA CULTURAL E SUSTENTABILIDADE EM ÁFRICA
Há um padrão que se repete na nossa história como africanos e, em particular, como moçambicanos: primeiro demonizamos, depois rejeitamos, só muito tarde tentamos compreender. E quando finalmente compreendemos, o mundo já mudou novamente e nós ficamos mais uma vez na plateia, espectadores da evolução que podíamos ter liderado ou pelo menos acompanhado.
A Inteligência Artificial (IA) é apenas mais um capítulo desse ciclo. Esse negócio ultrapassa barreiras convencionais e alcança metas excepcionais na vida de quem domina.
Uma ferramenta poderosa, nascida para democratizar acesso, reduzir distâncias, ampliar oportunidades — mas que, por falta de domínio ou medo do desconhecido, usamos apenas na superfície, como consumidores passivos e não como criadores activos do nosso próprio destino digital.
Neste fim de ano, com o frenesim global da Black Friday e da Cyber Monday, a Google apresentou quatro formas simples e práticas de usar IA para facilitar a vida. Mas, numa leitura mais profunda, estas mesmas quatro ferramentas expõem algo maior: as oportunidades de desenvolvimento que continuamos a perder porque não investigamos, não exploramos, não registamos e não participamos activamente no mundo digital.
Se tivéssemos recebido estas tecnologias sem medo, sem suspeita, sem preconceito — que lugar ocuparíamos hoje no mapa global de produção, comércio e inovação?
Vamos reflectir.
A IA permite hoje acompanhar preços, comparar ofertas e detectar oportunidades sem esforço.
Para o consumidor global, isso é puro poder: informação na hora certa, economia real, compras inteligentes.
Que dados temos para oferecer ao mundo?
Que produtos locais, serviços, artesanato, gastronomia, cultura digital ou tecnologia nacional estão registados em plataformas globais para que alguém, em Berlim ou Buenos Aires, possa comparar preços connosco?
Porque enquanto aprendemos a usar a IA apenas para “ver preços da China”, esquecemo-nos de que a mesma ferramenta podia mostrar ao mundo o preço da capulana local, o valor do cacana, o custo de um serviço gráfico em Maputo, ou o preço de uma peça de madeira de Palma.
Mas não registamos.
Não digitalizamos.
Não documentamos.
E assim, a IA não nos encontra — não porque não temos valor, mas porque não nos colocámos na vitrina do mundo.
Noutros países, quando alguém pede à IA “encontra-me um presente único, artesanal, africano”, há dezenas de bases de dados, lojas digitais, catálogos e páginas independentes onde a IA vai buscar referências.
E de Moçambique?
O que aparece?
Não é culpa das máquinas.
É culpa do nosso silêncio digital.
Se tivéssemos entendido cedo que a IA não é inimiga, mas sim uma biblioteca viva, teríamos investido em registar criadores, artesãos, costureiras, produtores de mel, pescadores, cozinheiras, programadores, agricultores, artistas, marceneiros, fotógrafos, carpinteiros, escultores, guias turísticos, designers, pequenos comerciantes…
A IA podia recomendar o que é nosso.
Mas como não alimentamos o sistema, a IA apenas repete o que os outros já documentaram.
Hoje, uma IA pode telefonar automaticamente para lojas locais noutros países, confirmar stock, preços e disponibilidade.
— “Há peixe fresco em Pemba?”
— “Quanto custa o carvão em Magoanine?”
— “Quem tem cimento a melhor preço em Nacala?”
— “Onde encontro cajus, maçanicas ou mangas locais para exportar?”
— “Quem faz mobiliário de madeira maciça em Cabo Delgado?”
Seria revolucionário.
Mas a verdade é que a IA só pode ligar para lojas que primeiro existem digitalmente.
Ainda estamos a montar negócios sem número de telefone visível, sem endereço claro, sem sinais na rua, quanto mais presença digital.
O mundo não nos ignora.
Simplesmente não nos encontra.
Enquanto o mundo testa roupas virtualmente, simplifica compras, reduz desperdício e melhora a experiência do utilizador, nós continuamos a ver moda apenas como consumo importado.
Mas se tivéssemos ousado, se tivéssemos designers, costureiras, alfaiates e marcas nacionais registadas online com fotografias catalogáveis, a IA podia:
Mas como não nos digitalizamos, a IA não consegue mostrar o que é nosso.
Ficamos consumidores.
Nunca expositores.
As ferramentas existem.
As oportunidades gritam.
O mundo quer diversidade, autenticidade, cultura africana, produtos orgânicos, criatividade local, mão-de-obra artesanal, experiências únicas.
Mas nós, distraídos ou desconfiados, continuamos a rejeitar a tecnologia antes de a compreender.
Continuamos a temer a IA como se fosse um demónio, quando na verdade ela é apenas um espelho: mostra aquilo que cada povo investiu para que ela aprenda.
E como investimos pouco… ela sabe pouco sobre nós.
em vez de usarmos a IA para interagir com o mundo, viramos simples consumidores do que o mundo produz.
Perdemos oportunidades de exportação, de divulgação, de visibilidade, de colaboração directa, sem governos e sem burocracias.
Perdemos possíveis parcerias, trocas comerciais, convites, encomendas, projectos, ideias e joint ventures.
Perdemos porque não quebrámos o padrão.
O padrão de recusar antes de aprender.
De consumir antes de criar.
De criticar antes de tentar.
A IA não é o fim do mundo. Por isso mesmo sem ela, ainda estamos vivos e supostamente saudáveis.
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É o início de um novo.
Mas apenas para quem participa.
Se começarmos hoje a digitalizar, catalogar, registar, criar e expor aquilo que é nosso, ainda podemos entrar no mapa global não como consumidores inúteis, mas como criadores, fornecedores, competidores e parceiros.
Queremos continuar a ser invisíveis para o mundo — ou queremos finalmente existir?
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