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COISAS QUE NUNCA ME ENSINARAM

O Fruto Proibido Era Carne: Max Švabinský e o Éden Sem Maçãs

Começamos a semana com uma sequência de escândalos, que graças às redes sociais nos chegaram antes mesmo das vítimas tomarem consciência, em alguns casos. Nos outros, depois depois da interrupção dos actos. Dentre eles entre: crentes, adolescentes, funcionários e outros casos até de adultérios, sem contar com violação de menores e incestos. 

O acto sexual em si, é imoral na sua maioria - Rivaldo Aurélio (cidadão moçambicano), apesar da sua profanação, é natural nos animais de que somos parte. Quer dizer, independentemente das circunstâncias, sexo ou acto sexual é impulso animal que os humanos se esforçam em regular e controlar por serem racionais. 

Por isso, no coração estilhaçado da Europa de 1918, quando o ar ainda sabia a pólvora e a ressaca moral da guerra, Max Švabinský gravou em madeira uma heresia luminosa: o pecado original não foi uma mordida numa maçã, mas o mergulho reverente de um homem entre as coxas de uma mulher. A sua xilogravura No Paraíso – por vezes mal batizada pelos leiloeiros como 'O Fruto Nunca Foi uma Maçã' – não é mera provocação erótica; é teologia à flor da carne, liturgia pagã camuflada sob o véu da arte.

A mulher ergue os braços como uma makwa de Nampula em transe xigubo, o rosto dividido entre êxtase e entrega. O cabelo mistura-se com ramos de paineira e flores de acácia, como se a própria floresta a coroasse. Diante dela, o homem ajoelha-se — não em submissão, mas em adoração. A sua boca toca o centro do mundo, onde a metáfora bíblica se dissolve e o conhecimento torna-se carne. As linhas de Švabinský — finas como nervuras de folha de bananeira, densas como cicatrizes de rituais macua — captam o instante exacto em que o desejo se transmuta em revelação. Não há serpente. Não há culpa. Apenas um raposo que observa, testemunha silenciosa de que a natureza nunca julgou o que criou.

A maçã, afinal, é invenção latina — um erro semântico nascido do latim malum (mal) e malum (fruto redondo). O texto hebraico fala apenas de peri, fruto genérico, tão genérico quanto o corpo humano. Švabinský corrige o equívoco com o bisturi do gravador: o verdadeiro fruto é o sexo, o acto que desperta consciência e, paradoxalmente, restitui inocência. A sua visão encontra eco nas ficções conspiratórias de Dan Brown — de O Código Da Vinci (2003) a Origem (2024) — onde a religião ocidental é um palimpsesto de verdades soterradas. Mas enquanto Brown caça símbolos nas catedrais, Švabinský expõe o símbolo vivo — pele, suor, tremor — e devolve ao sagrado o que o dogma amputou: o corpo.

Em Moçambique, onde a Paulina Chiziane sabe melhor sobre o assunto, o corpo nunca foi pecado, a gravura ressoa como um cântico de timbila. Nas danças de iniciação ndau, a nudez é pedagogia; nas esculturas chopi, a curva do quadril é calendário agrícola. O Éden de Švabinský poderia ser o vale do Zambeze antes da chegada dos missionários: o homem bebe o rio, a mulher é o delta, e a floresta inteira aplaude. A luz que se filtra entre as copas não é alegoria — é a mesma que invade as palhotas ao amanhecer, revelando que pureza e prazer são dois nomes do mesmo milagre.

Os manuais de história da arte europeia reduzem Švabinský a um simbolista menor. Engano académico. Ele foi cartógrafo do corpo humano, mapeando territórios que Freud apenas arriscou teorizar. Cada traço é um nervo exposto; cada sombra, um convite à introspecção. Enquanto a Europa se matava por fronteiras, ele desenhava a única que realmente importa: a pele — essa linha que separa, mas também une.

Coisas que nunca me ensinaram: que o paraíso foi orgasmático, que a maçã era eufemismo de clitóris, que a arte pode ser catecismo sem sermão. Švabinský não pintou nus — celebrou missas pagãs em que o cálice é o sexo feminino e a hóstia, a língua masculina. E nós, herdeiros de tradições em que o corpo é templo e o prazer é oferenda, reconhecemos o ritual: o mesmo que se dança em Marracuene quando a lua cheia se despe sobre os manguezais, o mesmo que se canta em Tete quando o rio incha e a vida transborda.

O fruto nunca foi maçã. Foi carne. E continua a ser — em cada toque, em cada olhar que não pede licença para desejar.



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