A DITADURA DA BELEZA
Uma Toyota Fortuner queimada, suspensa por um guindaste como um troféu ridículo de derrota. Os ladrões tentaram usar rampas de aço para saltar o novo muro de betão que separa KwaZulu-Natal da nossa Ponta do Ouro, mas o carro escorregou, ficou preso e, de raiva, atearam-lhe fogo. A imagem correu as redes e provocou risos na África do Sul. Aqui em Moçambique, provoca vergonha. Porque o muro não está ali por acaso: está ali porque nós, enquanto nação, falhámos redondamente em ser um vizinho confiável.
Paulino Intepo, comentador moçambicano que acompanha estas questões de segurança fronteiriça, resumiu tudo numa frase dura mas verdadeira: “Muros entre nações sempre serão necessários até que os governos vizinhos mostrem maturidade”. Ele não precisa de livros famosos para ter razão – basta olhar para o mapa e pelas páginas da história ao longo dos tempos idos.
Donald Trump prometeu um muro contra o México e foi chamado de tudo. Mas o Vaticano, esse pequeno país dentro de outro país, vive cercado por muralhas desde o século IX. As muralhas leoninas, construídas pelo Papa Leão IV depois do saque sarraceno de 846, têm em alguns troços quase 12 metros de altura e rodeiam os 44 hectares da Cidade do Vaticano. O acesso? Controladíssimo: a Praça de São Pedro está aberta, mas uma linha branca no chão marca a fronteira e, para lá dela, só entra quem a Guarda Suíça deixar. Ninguém chama o Papa de xenófobo. Chama-se isso de soberania.
Há muros em todo o lado quando um lado não confia no outro: Israel-Palestina, Índia-Bangladesh, Coreia do Norte-Coreia do Sul, Marrocos-Saara Ocidental. São sinais de desconfiança profunda, às vezes de ódio antigo. E agora chegou a nossa vez de estar do lado “errado” do betão.
Porque é que a África do Sul está a gastar milhões a levantar um muro de Jersey barriers ao longo de mais de 80 km da nossa fronteira comum? Não é vaidade. É sobrevivência.
Todos os anos, milhares de viaturas roubadas em Joanesburgo, Durban ou Pretória aparecem legalizadas em Maputo, Xai-Xai ou Nampula. Operações conjuntas da Interpol e da SAPS já recuperaram centenas delas em Moçambique. Há relatos – nunca devidamente desmentidos – de que algumas dessas viaturas acabam em garagens de altos dirigentes ou dos seus familiares. As instituições moçambicanas, por falta de rigor ou por conivência, chancelam o crime. Resultado: o vizinho rico decide que é mais barato construir um muro do que continuar a perder Fortuners, Hilux e Range Rovers todas as semanas.
Mas não é só carros. Moçambique tornou-se o grande corredor meridional do tráfico: heroína do Afeganistão entra pelos portos de Nacala e Pemba, segue para sul e sai para a África do Sul e Europa. Armas para gangs de Joanesburgo passam pelas mesmas estradas. Tráfico humano, marfim, rubis, madeira preciosa – tudo usa o nosso território porque aqui a fiscalização é frouxa e a corrupção é barata. Relatórios do Departamento de Estado americano e do UNODC repetem o mesmo: Moçambique é ponto de trânsito preferido porque o Estado falha em controlar o que entra e sai.
E depois há o terrorismo em Cabo Delgado. O que começou como um conflito local transformou-se numa insurgência jihadista que já matou milhares e desalojou quase um milhão de pessoas. As ligações ao Estado Islâmico são reais, mas as raízes estão na pobreza, no desemprego jovem e na sensação de abandono por um governo central que trata o norte como colónia extractiva de gás. Quando elites de Maputo lucram com licenças milionárias enquanto a população local continua sem luz nem emprego, cria-se terreno fértil para quem promete justiça com kalashnikov. Alguns analistas apontam mesmo cumplicidades internas que dificultam o combate efectivo – seja por negligência criminosa ou por interesses obscuros.
Some-se a onda de raptos que varreu Maputo, Beira e Nampula nos últimos anos. Empresários portugueses, indianos, paquistaneses e até moçambicanos honestos foram sequestrados, muitos pagaram resgates astronómicos, outros foram mortos. Vários fecharam negócios e fugiram. Quem quer investir num país onde a vida vale menos que um Bitcoin?
Tudo isto retrai investimento, afugenta turistas, encarece seguros e faz os vizinhos olharem para nós como olham para uma casa abandonada cheia de ratos: melhor isolar antes que a praga passe para o lado deles.
É verdade que muros prejudicam a fauna. No Kruger, elefantes e leões sempre cruzaram livremente a fronteira para beber ou acasalar. Agora encontram betão. Em outras fronteiras africanas já se viu: animais morrem electrocuteados ou ficam presos em corredores cada vez mais apertados. Mas convenhamos: entre salvar um elefante e evitar que uma Hilux roubada chegue a Maputo em duas horas, a África do Sul escolhe o segundo. E tem razão prática.
Se a Tanzânia, o Malawi, o Zimbabwe ou a Zâmbia tivessem dinheiro e terreno plano, provavelmente também ergueriam os seus muros. Não por ódio ao povo moçambicano – que é acolhedor, trabalhador e generoso – mas por medo do Estado moçambicano que temos tido desde finais dos anos 80, depois da morte de Samora Machel. Ironia cruel: no tempo de Samora, éramos nós que poderíamos estar a construir muros para nos proteger da instabilidade dos vizinhos. Hoje somos o problema.
O muro na fronteira com KwaZulu-Natal não é apenas betão. É um espelho. Mostra-nos o que nos tornámos: um país que perdeu o controlo das suas fronteiras, das suas instituições e, pior ainda, da sua dignidade. Enquanto não houver um governo sério, transparente, que combata a corrupção no topo, que invista no norte, que desmantela as redes de tráfico e que trate os cidadãos como gente e não como votos, os muros vão continuar a subir.
E nós ficaremos do lado de cá, a rir-nos nervosamente de uma Fortuner queimada, enquanto o mundo ri de nós.
Lino Tebulo
Infelizmente estamos a ir do mal para o pior.
ResponderEliminarPior que não será fácil a médio prazo reverter esse cenário
EliminarEnquanto a frelimo governar o país sempre irá para a ruína.
ResponderEliminarPior que a Frelimo, cada povo tem um governo que merece...
EliminarAté dá vergonha. Li e tirei uma lágrima no canto do olho.
ResponderEliminarÉ doloroso realmente! Se desse num documentário, daria mais peso e seria de fácil expansão para uma reflexão mais ampla e colectiva
EliminarA Frelimo é o maior inimigo do povo
ResponderEliminarE o povo é o maior amigo da Frelimo
EliminarInfelizmente,o desgoverno Moçambicano insiste em dizer que este país está bem, ouvimos nossas andanças desnecessárias que fazem,nos chomícios , enfim, nada melhora
ResponderEliminarInfelizmente...
EliminarSinceramente esta um caus....!
ResponderEliminarE caos dos maus
EliminarA FRELIMO depois de Samora virou uma quadrilha legalizada sem piedade, Chipande, Chissano, Guebuza e outros, merecem pena de execução imediata
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