A DITADURA DA BELEZA
É um diário doloroso para os que vivem à beira das estradas nacionais, desde as primárias até às últimas, asfaltadas e com portagens de valores absurdos para o povo até as que só viaturas de alta cilindrada, suspensão e tracção completa ou a altura podem passar. Pois, pela estrada poeirenta, lá vai ele outra vez: um camião gigante arrastando um basculante ainda maior, verde, desta vez, como as promessas que nunca chegam nos campos, nem no prato dos olhos do dono da cabeça que tem ouvidos de captar os manifestos eleitorais, já esquecidos.
Nas bermas, crianças descalças param para ver, homens de enxada ao ombro abrandam o passo, mulheres com capulanas carregadas de lenha seguem com o olhar fixo. Não é curiosidade apenas — é um misto de espanto e resignação. Para eles, aquela “engenhoca” não é sinal de progresso. É lembrete vivo de que a riqueza passa, mas não para.
Passa sim, e deixa buracos. As rodas pesadas afundam o alcatrão já partido, levantam nuvens de pó que entram nas casas de capim, irritam os olhos e secam as gargantas. As estradas degradam-se a olhos vistos: o que era asfalto vira lama na chuva, cratera no seco. E ninguém conserta. Porque o dinheiro dos impostos, dos royalties e das concessões vai para outro lado — para contas bancárias em Dubai, para jipes blindados em Maputo, para festas de lançamento de projectos que nunca saem do papel.
Enquanto isso, nas vilas ao redor das minas, a vida continua igual. Uma simulação de reassentamento e depois soma-se a desgraça que o governo ainda investe para esconder do mundo inteiro ou reserva para a próxima temporada de busca por dívidas. Fica: a escola que tem o telhado furado - se for substituída a árvore que a qualquer momento pode cair sobre os alunos e professores, o posto de saúde que não tem paracetamol - se os profissionais estiverem lá e com salários, a bomba de água que avariou há três meses e a estrutura local desapareceu. Pois é, nem rios podem salvar se até o ar se encontra poluído e carregado de partículas mineiras, o que sobra mais saudável?
Os jovens sonham com um emprego na mina, mas o que encontram são turnos de doze horas por três mil e quinhentos meticais, sem contrato, sem segurança, sem futuro. Quando adoecem — e adoecem, com silicose, malária ou diarreia — voltam para casa sem um tostão e já despedidos. Direitos trabalhistas... Todas instituições geridas pelo governo estão bem alinhadas a reprimir qualquer que seja a reclamação, denúncia, revolta ou manifestação a respeito.
As multinacionais pagam milhões em impostos, dizem. Mas as isenções fiscais de dez, quinze, vinte e mais de trinta anos fazem com que o Estado receba migalhas. E essas migalhas, ainda por cima, desaparecem em contratos secretos, em “parcerias público-privadas” que ninguém entende, em empréstimos escondidos que o povo pagará durante gerações.
Os dirigentes falam em desenvolvimento sustentável, em investimento estratégico, em cadeias de valor. Palavras bonitas, mas vazias. Na prática, o que se vê é isto: um basculante de cem toneladas fabricado na China, transportado por uma empresa sul-africana, para extrair carvão que será vendido a uma trading indiana, com lucros que vão parar a paraísos fiscais. E o moçambicano? Fica com o pó, com a estrada esburacada, com a promessa de um dia “melhor”.
Não é falta de recursos. Moçambique tem carvão, gás, rubis, ouro, grafite, terras férteis, sol, vento e mar. Tem gente trabalhadora, criativa, resiliente. O que falta é política com P maiúsculo — uma política que obrigue as empresas a contratar localmente, a formar técnicos, a processar minerais aqui e a deixar uma fatia justa no país. Política que crie um Fundo Soberano transparente, como na Noruega ou no Botswana, para que o gás de amanhã pague a escola de hoje. Política que puna a corrupção, que publique todos os contratos e que ponha o interesse do povo acima do interesse do investidor.
Porque, no fim do dia, quando o basculante desaparece na curva, o que fica não é prosperidade. É silêncio. É uma criança tossindo com pó nos pulmões. É uma mãe contando os meticais para comprar farinha. É um país rico com um povo pobre — e uma elite que se ri, de barriga cheia, enquanto o camião segue caminho.
Chega de migalhas. Chega de máquinas sem rosto. É hora de virar o jogo: os recursos são nossos, e o futuro também tem de ser.
✍🏾 Lino TEBULO - Diambulando na N1 no sentido Sul-Norte.
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