A DITADURA DA BELEZA
Apesar de Jorge Matavel, apresentador do programa Balanço Geral de TV Miramar em Moçambique, ter tentado justificar o porquê de olhar mais para o futebol exterior, europeu sobre tudo, ao invés do Moçambola ou ligas africanas concretamente, não nos escusa a ousadia de dar por terminado uma matéria que já vínhamos compondo a meses. Até que o que chamou mais atenção foi a recente seguinte notícia:
"A Federação de Futebol da Nigéria (NFF), ontem, disse que protestaria contra a decisão da FIFA de escolher Tom Agbongila, da África do Sul, como árbitro central para o playoff da Copa do Mundo de 2026 das Super Águias contra os Panteras do Gabão em 13 de novembro de 2025." - Nigeria Stories.
A notícia caiu como um trovão no céu já carregado do futebol africano: a Federação Nigeriana de Futebol (NFF), na véspera do dia 7 de Novembro de 2025, anunciou que protestaria contra a decisão da FIFA de nomear o árbitro sul-africano Tom Agbongila como juiz central no playoff para o Mundial de 2026 entre a Nigéria e o Gabão, marcado para 13 de Novembro.
Não se trata de um capricho, mas de um grito de alerta que ecoa as fissuras de desconfiança que corroem a credibilidade do desporto-rei no continente. Num momento em que a África tenta afirmar-se no palco global — com o Egipto a juntar-se a Marrocos e Argélia como representantes no Mundial —, este episódio obriga-nos a reflectir: quantas vezes a verdade foi sacrificada em nome de interesses obscuros?
A escolha de Agbongila, um árbitro experiente, mas oriundo de uma nação rival, reacende memórias de arbitragens controversas e suspeitas de parcialidade. Desde 2019, quando a FIFA interveio directamente na Confederação Africana de Futebol (CAF) devido a escândalos de corrupção, a dependência do continente tornou-se humilhante: a África, berço de talentos como Salah e Osimhen, continua a parecer incapaz de governar o seu próprio jogo.
A desconfiança não nasceu ontem. Casos como o do jornalista ganês Anas Aremeyaw Anas, que em 2018 revelou subornos em oito países africanos, mostraram um sistema apodrecido onde a corrupção é regra. Três anos depois do escândalo FIFA de 2015, pouco mudou. Em 2020, sete árbitros africanos foram banidos vitaliciamente por corrupção — apenas a ponta do icebergue de uma doença institucional.
De Nairobi a Maputo, os exemplos abundam. Em Março de 2025, o guarda-redes queniano Patrick Matasi foi suspenso por suspeita de manipulação de resultados. Na África do Sul, clubes denunciaram incentivos pagos a jogadores rivais. Em Uganda, um esquema transfronteiriço de apostas ilegais levou à suspensão de 13 pessoas em 2024. No Zimbabué, o caso Henrietta Rushwaya expôs viagens secretas da selecção nacional para perder jogos pagos.
Nem as lendas escapam: Samuel Eto’o, agora presidente da Federação Camaronesa, foi implicado em gravações sobre fixação de jogos. E em Moçambique, ecos semelhantes surgem em decisões polémicas da CAF que levantam suspeitas de favorecimento. Mais recentemente, em Novembro de 2025, a Comissão Anti-Corrupção do Quénia expôs o desvio de 3,8 mil milhões de xelins em contratos desportivos fraudulentos.
A FIFA, por sua vez, continua a agir de forma selectiva: pune uns e poupa outros. Este duplo padrão perpetua o cinismo e reforça a ideia de que o futebol africano é, no fundo, um palco global para negócios sujos travestidos de desporto.
O protesto da NFF é mais do que uma queixa — é um apelo à verdade. Um futebol limpo começa com ela, mas só perdura com acção colectiva. Imagine-se um continente com estádios modernos, árbitros protegidos por leis anti-corrupção e federações que premiam o mérito e não o compadrio.
Já vimos lampejos disso, como a melhoria arbitral na CAN de 2023 sob Patrice Motsepe. Mas o renascimento exige coragem e vigilância — de adeptos, jornalistas e jogadores. A FIFA deve parar de tratar a África como periferia e começar a agir como parceira estratégica. Se não há, aquilo que as teorias especulatórias sussurram nos bastidores, planos em marcha de sempre subjugar a África ou inferioriza-la para nunca mais despertar e se impor em pé de igualdade com outros continentes e nações.
O futebol limpo começa com a verdade, mas floresce com dignidade. Que o grito da Nigéria desperte o continente. Num relvado onde a bola rola livre, não há espaço para sombras. Que role, então, para todos — sem truques, sem medos. E depois, os seleccionadores moçambicanos nos devem algumas palavras que pesam no nó das suas gargantas sobre o comportamento dos presidentes da Federação Moçambicana dessa modalidade.
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