VOAR É OUTRO PODER QUE MOÇAMBIQUE "AINDA" NÃO PODE

A Crise da Aviação Moçambicana, a LAM e o Futuro da Conectividade Aérea.

Apesar dos recentes incidentes, nomeadamente, um da Aeronave da JetBlue que saiu da pista ao pousar no Aeroporto Logan, em Boston e o outro, o mais fatídico ainda, o Boeing 787 da Dreamliner Air India, com destino ao Reino Unido, ocorridos no dia 12 de Junho de 2025, não somos impedidos de almejar por um sector aéreo acessível, abundante e ao alcance da maioria dos moçambicanos. Enquanto isso, nossas sentidas condolências às famílias é países ilutados.

A imagem de um radar de tráfego aéreo mostrando céus praticamente vazios sobre Moçambique às 18 horas de uma tarde qualquer é mais do que uma fotografia técnica – é um retrato simbólico de uma crise profunda que assola a aviação nacional. Quando analisamos esta realidade em conjunto com as recentes polémicas sobre a gestão da LAM – Linhas Aéreas de Moçambique, avançadas pelo Matias de Jesus Junior, um dos internautas atentos a situação de Moçambique, emerge um quadro preocupante que merece reflexão séria sobre o futuro da conectividade aérea no país.

A LAM: De Símbolo Nacional a Caso de Estudo

O Passado Glorioso

A LAM nasceu em 1980 das cinzas da DETA, após alegações de corrupção que levaram à reestruturação da transportadora nacional. Durante décadas, representou o símbolo da soberania aérea moçambicana, conectando o vasto território nacional e ligando Moçambique ao mundo. Era mais do que uma companhia aérea – era um instrumento de integração nacional e projecção internacional.

Porém, aliado a isso, na observação da realidade actual, a LAM enfrenta uma das suas piores crises. Hoje vemos que a companhia aérea "enfrentava graves desafios financeiros, incluindo dívidas no valor de aproximadamente 400 milhões de dólares", segundo alguns dados avançados a anos atrás. Hoje a situação tornou-se tão grave que, recentemente, a LAM anunciou o cancelamento da rota Maputo-Lisboa devido a prejuízos de 21 milhões de dólares americanos desde 2023, suspendendo também as ligações com Harare e Lusaka. UM dos maiores problemas achados para acomodar essa vergonhosa situação foi apontar para a incapacidade da direcção da empresa aérea. 

A Questão da Liderança: Competência vs. Politização

O Dilema da Nomeação

O comentário de Matias De Jesus Júnior, que circula nas redes sociais, levanta questões fundamentais sobre a governação da LAM. A crítica é directa e actualizada em relação às outras tentativas de resolução do imbróglio desde o governo do Nyusi. Mas desta vez com Chapo no comando do país, ressona a seguinte questão: 

Como pode um CEO que "não sabe comprar aviões" liderar uma companhia aérea?

Esta observação, embora dura, toca num problema estrutural das empresas públicas moçambicanas – a tendência para nomeações baseadas em critérios políticos em detrimento da competência técnica. Dificuldades que apenas são renovadas de governação em governação com o mesmo partido até então. A título de exemplo no actual governo, foi importar a solução já longe das fronteiras nacionais e além do continente africano. 

A Contratação da Knighthood Global

A LAM está no mercado para contratar até cinco aeronaves Boeing 737-700, processo conduzido pela consultora internacional Knighthood Global, responsável pela reestruturação da companhia. A contratação desta consultoria, liderada pelo ex-CEO da Etihad Airways, James Hogan, representa uma tentativa de profissionalização da gestão. Contudo, o comentário do Matias levanta ainda questões e preocupações sobre a duplicação de custos e a eficácia desta estrutura.

Quer dizer, ao invés de pensarmos numa solução que minimize os custos de acomodação quadros de pessoal inútil na falida LAM, voltam a quase duplicar as facturas na contratação de mais outra confusão. Como não se pode conseguir indicar entidades competentes dentro do país, sendo que devíamos ter tido já aprendido depois dos mesmo erros cometidos várias vezes? 

Impactos Além das Fronteiras Empresariais

Conectividade Nacional Comprometida

A aviação em Moçambique é "especialmente importante, dado o vasto território do país e as suas necessidades de interligação interna". A crise da LAM não afecta apenas a empresa – compromete a conectividade nacional num país com mais de 2.500 quilómetros de costa e um interior vasto e diversificado.

Tem sido um pesadelo programar viagem ao pensar na via aérea como uma das opções. Apesar de muitos ainda, optarem em investir em passagens aéreas, a companhia nacional tem falhado muito. O que leva a lembrar que já houve tentativas de integrar outras companhias para torná-lo o sector mais dinâmico, embora a competitividade ameaçava a de bandeira, mas a Air Corridor deixou boas lembranças e marcantes pelo pouco tempo que operou em voos domésticos. 

Integração Regional em Risco

Moçambique ocupa uma posição geográfica estratégica na África Austral. A fraqueza da sua aviação nacional compromete não apenas a conectividade interna, mas também a integração regional. Enquanto outras companhias africanas expandem operações – como a TAAG, que reforçou voos para Maputo, Cidade do Cabo e Joanesburgo – Moçambique vê-se cada vez mais dependente de operadores estrangeiros.

Impactos Económicos Multissetoriais

Será que ainda não compreendemos que a aviação é catalisadora de Desenvolvimento num país, nas viagens de serviço e férias que fizemos fora do país, ainda que na conta do Estado? Nossos governantes deviam nos agreciar com um discernimento pleno que o transporte aéreo em Moçambique é de "capital importância para o desenvolvimento político, económico e sócio-cultural do país". Pois a crise da LAM afeta:

- Turismo: Redução da acessibilidade aérea limita fluxos turísticos;

- Comércio: Dificuldades logísticas para empresários e investidores;

- Integração Social: Limitações na mobilidade de pessoas entre regiões;

- Emergências: Capacidade reduzida para evacuações médicas e ajuda humanitária;

- Orgulho Comum: Apesar de poluente o exercício aérea no espaço e representar em partes um perigo aos pássaros, mas é gratificante ver aeronaves do seu país a razarem os céus do seu espaço aéreo. 

O Problema das Divisas: Uma Crise Dentro da Crise

As dificuldades das agências de viagens moçambicanas em entregar as receitas em dólares da venda de bilhetes às companhias aéreas estrangeiras levaram à dívida de 205 milhões de dólares. 

Este problema estrutural da economia moçambicana agrava a crise da aviação, criando desconfiança entre operadores internacionais e limitando opções para os passageiros.

Lições e Reflexões

A Importância da Competência Técnica

A crise da LAM sublinha a necessidade urgente de priorizar competência técnica sobre considerações políticas nas nomeações para cargos de gestão. Uma companhia aérea não é apenas um símbolo nacional – é uma operação técnica complexa que requer conhecimento especializado em gestão aeronáutica, regulação internacional, manutenção de aeronaves e gestão financeira.

O Dilema da Soberania vs. Eficiência

Moçambique enfrenta um dilema comum a muitos países africanos: como equilibrar a necessidade de ter uma companhia aérea nacional (símbolo de soberania) com a realidade de que manter tal operação pode ser economicamente insustentável sem gestão adequada e apoio estatal consistente.

A Necessidade de Visão Estratégica

A aviação não pode ser vista isoladamente. Requer uma visão estratégica que integre:

- Desenvolvimento de infraestruturas aeroportuárias;

- Formação de recursos humanos especializados;

- Políticas de liberalização controlada do espaço aéreo;

- Parcerias estratégicas com operadores regionais e internacionais sem precisar de importar gabinetes inteiros como tal. 

Caminhos Possíveis ou como Repensar o Futuro

É imprescindível e necessário uma  Reestruturação Profunda, sim. Uma vez que ou desde que se perceba essa reestruturação da LAM, que deve ir além da contratação de consultores. Implicando nesse caso:

- Auditoria completa das operações e finanças;

- Reestruturação da dívida com credores;

- Implementação de práticas de governação corporativa;

- Estabelecimento de metas de performance claras e mensuráveis;

Já nas Parcerias Estratégicas, é preciso adoptar modelo de parcerias com operadores experientes. O que pode ser uma solução, mas observando os cuidados tecnicamente abordados como fundamentais em países africanos que tiveram sucessos nessa manobra. 

A Ethiopian Airlines, por exemplo, lançou a Ethiopian Mozambique, prometendo "melhor conectividade aérea para mais de uma dúzia de cidades em Moçambique". Depois, não se sabe como as coisas não resultaram, mas a culpa recai mesmo ao governo na altura. Só que parcerias como estas podem trazer conhecimento técnico e recursos financeiros necessários.

Outro aspecto tem haver com a Regulação e Supervisão Eficaz, onde o Estado deve reforçar as suas capacidades de regulação e supervisão do sector, garantindo que as decisões sejam baseadas em critérios técnicos e não políticos. Isto inclui a criação de mecanismos de transparência e prestação de contas até responsabilização quando detectados os prevaricadores danosos na gestão.

Em fim, o futuro dos céus moçambicanos, depende de nós mesmos. 

A imagem dos céus vazios sobre Moçambique é um aviso que não pode ser ignorado. A crise da LAM representa mais do que dificuldades empresariais – é sintoma de problemas estruturais mais profundos na governação de empresas públicas e na conceção de políticas de aviação: que se admita sem rodeios. 

O futuro da aviação moçambicana depende da capacidade de aprender com os erros do passado, implementar reformas estruturais e priorizar a competência técnica sobre considerações políticas. Só assim os céus moçambicanos voltarão a ser povoados por aeronaves que conectem o país consigo mesmo e com o mundo.

A questão não é apenas se a LAM sobreviverá à crise actual, mas se Moçambique conseguirá construir um sector de aviação sustentável que sirva verdadeiramente os interesses nacionais. A resposta a esta pergunta determinará se as próximas imagens de radar mostrarão céus movimentados ou continuarão a retratar o vazio que hoje caracteriza o espaço aéreo nacional.

A aviação é espelho da capacidade de um país gerir recursos estratégicos. O caso da LAM oferece lições valiosas não apenas para o sector aéreo, mas para toda a gestão de empresas públicas em Moçambique. É tempo de transformar a crise em oportunidade de renovação.



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