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A CHUVA, QUE DEVIA SER BÊNÇÃO, TORNOU-SE PROVA DA NOSSA MISÉRIA

Quando a Chuva Revela a Vergonha: A Miséria Silenciosa da Habitação aos Pobres. 

A época chuvosa, para muitos moçambicanos, não é bênção: é um pesadelo que regressa todos os anos com a precisão cruel de um relógio antigo. Para mim, nos últimos dez anos — exactamente o período em que comecei a auferir um dos melhores salários dentro da Função Pública — tornou-se motivo de tristeza e angústia.

Quando chegam as chuvas, é sempre a mesma história: ou é a casa arrendada que começa a pingar no tecto, ou são as notícias da casa da minha mãe, que não consigo reparar, ou ainda o bairro onde vivo, onde as ruas viram rios e a deslocação exige mergulhar o corpo para entrar ou sair de casa.

A agravar isto, mesmo há dez anos, com um agregado familiar dependente desse “bom salário”, conseguir um terreno legal, numa zona minimamente habitável, já era uma batalha. Só se consegue com poupanças de longos períodos, xitiques intermináveis, ou o inevitável endividamento bancário. E isso apenas para ter o terreno — vazio, demarcado, e por vezes em zonas onde nem viatura chega. Urbanização? Só no papel. Saneamento? Depende da boa vontade dos moradores. Bombeiros? Esqueçam: não chegam lá.

Depois vem outro martírio: a construção. Para quem trabalha em sectores da Função Pública onde não existem ajudas de custo, viagens remuneradas, “serviços subornáveis“ ou actividades paralelas que geram renda, erguer uma casa com empréstimos e xitiques é quase uma epopeia. Já quem está em áreas de fiscalização, cobranças e controlo sabe bem como, em dois ou três anos, constrói mansões, compra frota de carros e ostenta uma vida de luxo — só para, ao serem transferidos para áreas improdutivas, se descobrir que nunca se tratou de educação financeira.

É assim que vivem muitos funcionários do Estado e trabalhadores de empresas públicas ou privadas que não têm acessos privilegiados: em terrenos de difícil acesso, ruas intransitáveis no tempo de chuvas, saneamento fraco e serviços públicos distantes devido à desestruturação dos bairros.

Quando a chuva chega, torna-se um incómodo para quem tem alguma condição e um tormento para os sem-tecto. Mesmo os bairros “estruturados” inundam como se tivessem sido planeados por amadores. Falta de diques, ausência de bacias de retenção, má engenharia e inexistência de planos urbanos sérios: tudo salta à vista na primeira tempestade.

Alguns justificam dizendo que “se o colono não resolveu, nós também não vamos resolver”. E é esse complexo que perpetua cidades frágeis, como Maputo, que gostaria de rever nesta época chuvosa, pois conheci-a antes do Idai, quando parecia encaminhar-se para soluções de saneamento mais dignas. Já Beira, acredito que haja avanços, pois Idai parece ter corrigido o que podia fallhar. Mas também devo uma visita para a prova dos nove, de Macurrungo a descer para Shota, Munhava e subir para Esturro... O esforço de cada cidadão deverá ajudar a edilidada se organizar também, isso quase em todas cidades e vilas. 

Hoje, arrendar uma casa que não pingue, bem localizada e acessível, é quase como procurar uma agulha no palheiro. Ter casa própria perto de serviços essenciais, dependendo apenas do salário? Só Deus.

As políticas de habitação falham: quando existe reassentamento, há exclusões; quando se constroem vivendas, muitas ficam abandonadas e a degradar-se porque pertencem a alguém com várias casas que coloca preços absurdos para renda. A desigualdade repete-se, governo após governo, com os mesmos grupos de influência a apoderarem-se dos projectos habitacionais destinados aos pobres.

Enquanto isso, os moçambicanos continuam a sonhar com o dia em que a chuva será apenas sinónimo de alegria, agricultura e frescura — não de medo, destruição e sofrimento. E já que não apostamos na ciência, tecnologia ou educação de qualidade, alguns diriam para confiarmos na superstição: “amarrar a chuva”. Uma prática antiga que supostamente controla os ritmos de precipitação.

Talvez, numa visão coordenada, até ajudasse a regular as cheias, na visão por exemplo do PhD Ferrão, o actual reitor da UP Maputo. Até lá, continuamos entregues a Deus — pobres, vulneráveis e esquecidos pela governação. Vale alguma peça artística para disfarçar essa miséria é consolar os munícipes e celebrar com os camponeses? Eis, que os créditos vão para a autora da imagem que fez a capa deste artigo. 



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