QUANDO O SAGRADO SE MISTURA AO PROFANO

A oferta simbólica que revela o quanto o consumo invadiu até o altar.

Vi uma imagem, o qual é parte da capa desse artigo. Teria muito a dizer, bem como podia ignorar, tal como se faz com tantas outras. Porém, são essas imagens que retratam cenários que podemos reflectir sobre o quotidiano e isso, a dado momento importa. 

A fotografia fala por si, mas o seu silêncio é ensurdecedor. Nela, uma mulher aproxima-se do altar com um cesto cuidadosamente preparado — e dentro dele, uma caixa de cerveja Heineken. Do outro lado, um bispo, de vestes alvas e rosto acolhedor, estende a mão para receber o gesto. Aparentemente, nada de errado: é uma oferta, um acto de partilha. Mas o que simboliza realmente esta imagem?

Nos tempos antigos, as oferendas no altar eram frutos da terra — pão, vinho, azeite, grãos, produtos simples, mas carregados de sentido espiritual. Eram dádivas que representavam o esforço humano e o reconhecimento da providência divina. Hoje, o gesto parece manter a forma, mas perdeu o conteúdo. A devoção cedeu lugar à exposição. Já não se oferece o que tem valor simbólico, mas aquilo que tem marca.

“Quando o sagrado se mistura ao profano, o que sobra é apenas o espetáculo.”

👉 E este espetáculo tem nome: consumo disfarçado de fé.

A imagem não choca apenas por mostrar cerveja num contexto litúrgico, mas porque revela o quão profundamente a lógica do mercado penetrou o espaço espiritual. Já não basta crer; é preciso mostrar que se crê com estilo, com produtos reconhecíveis, com a etiqueta da modernidade. O altar, outrora lugar de transcendência, tornou-se cenário onde o consumo ganha uma bênção implícita.

E aqui surge a pergunta essencial: estamos a adorar Deus ou a cultura do consumo?

Quando uma oferenda é escolhida não pelo seu valor espiritual, mas pelo seu impacto visual, algo se perdeu no caminho da fé. E talvez não seja apenas o sentido religioso, mas também o respeito pela simplicidade que dá autenticidade à devoção africana.

Não se trata de julgar quem oferece, nem de culpar o sacerdote que recebe. Trata-se de compreender que a fé, quando capturada pela lógica do consumo, transforma-se em performance. E performances, por mais belas que pareçam, raramente salvam almas — apenas geram curtidas.

No fim, esta fotografia é um espelho. Mostra-nos como, no meio da pressa de modernizar a religião, corremos o risco de perder o essencial: a pureza da entrega, o silêncio da oração, o gesto humilde que fala sem precisar de rótulo.

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Por Paulino Intepo

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