DINHEIRO É SEMPRE BEM-VINDO, NÃO IMPORTA DE ONDE
No coração da África, onde a terra guarda tesouros milenares, surge uma pergunta que ecoa como um grito de frustração: por que o ouro, os rubis e o gás de Moçambique – riquezas que poderiam iluminar o futuro de um povo inteiro – saem das nossas minas em bruto, sem deixar mais do que poeira e promessas vazias para as comunidades locais? E pior: por que esses recursos, que deviam encher os cofres nacionais, escapam às contas das finanças públicas, evaporando-se em contratos opacos com multinacionais estrangeiras?
Bem, é uma traição silenciosa à nossa independência, um roubo consentido que nos condena à pobreza enquanto outros lucram com o suor dos moçambicanos. Mas olhemos para o actual Mali, onde um jovem visionário, Ismael Siby, ergueu a primeira refinaria de ouro com 100% de capital maliano – a Marena Gold Mali. Ali, o ouro bruto transforma-se em lingotes de 99% de pureza, 24 quilates, criando empregos para o povo maliano e retendo riqueza no continente. É hora de Moçambique acordar dessa letargia colonial e rever as suas leis de exploração e exportação, antes que o nosso solo fique vazio e o nosso povo, esquecido.
Imagine o distrito de Montepuez, em Cabo Delgado, onde os rubis vermelhos como sangue brotam da terra como joias de uma coroa esquecida. Desde 2012, a Montepuez Ruby Mining – uma joint-venture com capital maioritariamente estrangeiro – extrai milhões de quilates anuais, avaliados em centenas de milhões de dólares. Mas o que fica para os moçambicanos? Desabamentos mortais, como o de Fevereiro de 2020, que soterraram mais de dez garimpeiros e feriram dezenas, enquanto as comunidades vizinhas, como Nyamanhumbir, recebem migalhas: em 2023, apenas 21 milhões de meticais para projectos locais, uma gota no oceano face aos lucros exportados. Esses rubis, cortados e polidos em laboratórios europeus ou asiáticos, voltam ao mercado global sem que Moçambique os veja nas suas contas nacionais. Não são cotados nas finanças públicas; evaporam em isenções fiscais e contratos que favorecem o estrangeiro, deixando o povo a garimpar ilegalmente, subornando polícias e financiando, inadvertidamente, grupos armados na região. É uma maldição extractiva: o solo sangra riqueza, mas o corpo da nação definha.
Não é diferente em Tete, onde o carvão de Moatize, explorado pela brasileira Vale desde 2006, prometia transformar o vale num polo industrial. Em vez disso, reassentamentos forçados deslocaram milhares de famílias para terras inférteis, sem água potável ou escolas, gerando conflitos sociais que explodem em protestos e violência. O gás natural na Bacia do Rovuma, descoberto pela americana Anadarko e italiana ENI, reserva 200 trilhões de metros cúbicos – o suficiente para fazer de Moçambique um gigante energético. Mas o que vemos? Exportações em bruto para Ásia e Europa, com receitas que mal tocam as finanças nacionais, agravadas por dívidas ocultas como as "luvas" de 2 mil milhões de dólares reveladas em 2016. Comunidades em Palma e Mocímboa da Praia, expulsas das suas terras ancestrais, queixam-se de perda de acesso a pesca e lenha, enquanto a pobreza rural persiste em 70% das famílias. Estudos do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) e da Human Rights Watch confirmam: a exploração traz mais riscos que benefícios – poluição, doenças respiratórias e um fosso social que alimenta a instabilidade em Cabo Delgado.
Agora, contrastemos essa humilhação com o orgulho maliano. Em Bamako, a Marena Gold Mali, fundada por Ismael Siby – um jovem engenheiro treinado em Hong Kong –, opera desde 2015 como farol de soberania africana. Com capacidade para refinar 28 toneladas de ouro por ano, processa ouro bruto de garimpeiros artesanais, transformando-o em barras puras que são exportadas com selo maliano. Não há mais dependência de refinarias suíças ou sul-africanas; o Mali retém 100% do valor acrescentado, criando uma cadeia de valor local que emprega centenas, fomenta parcerias com joalheiros e bancos, e impulsiona a economia nacional. Em 2022, a refinaria já processava 6 toneladas anuais, contribuindo para o PIB maliano num sector dominado por multinacionais. Siby não só combate o contrabando – que drena 80% do ouro africano – como forma jovens, incluindo mulheres, em tecnologias mineiras, como visto no Salão Internacional das Minas de Dakar em 2025. O Mali, terceiro maior produtor de ouro da África, assume o controlo: por que refinar o nosso ouro no estrangeiro, criando empregos para outros povos? É uma lição gritante: com vontade política, um país pode inverter a maldição dos recursos.
Moçambique, desperte! O nosso Código Mineiro de 2014, apesar de avanços como a obrigatoriedade de 5% a 10% das receitas para comunidades, ainda permite exportações em bruto sem processamento local, isenções fiscais excessivas e pouca transparência nos contratos. O Presidente Daniel Chapo, na 11ª Conferência de Mineração e Energia em Maio de 2025, anunciou revisões à Lei de Minas e de Petróleos, criando uma Agência de Promoção Mineira e alocando 10% das receitas para províncias e distritos. Mas palavras não bastam; precisamos de acções radicais. Obrigar o processamento local, como no Mali, geraria milhares de empregos em refinarias de rubis, ouro e grafite – pense em Balama, onde depósitos de vanádio jazem intocados. Revogar isenções que não beneficiam o povo, fiscalizar o contrabando que financia o terrorismo, e inscrever empresas mineiras na Bolsa de Valores de Moçambique para transparência nas finanças nacionais. O Decreto-Lei 88/90 e o actual quadro legal permitem revisões; usemo-los para declarar áreas estratégicas reservadas ao Estado, promovendo joint-ventures com capital moçambicano maioritário.
Irmãos moçambicanos, o Mali prova que a África pode refinar o seu destino. Não permitamos que os nossos recursos sirvam de escada para o enriquecimento alheio. Exijamos do governo – de Filipe Nyusi a Daniel Chapo – uma revisão urgente das leis de exploração e exportação, priorizando o povo sobre os lucros estrangeiros. Que os rubis de Montepuez brilhem em joias moçambicanas, o ouro de Manica forje a nossa moeda, e o gás de Rovuma ilumine as nossas casas. Senão, seremos eternos garimpeiros na nossa própria terra: explorados, não exploradores. A hora da soberania chegou – e Moçambique não pode falhar.
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