Nem sempre uma “revolução” sustentável nasce na sala de aula
Em Moçambique, o mês de Janeiro costuma ser um período de grande inquietação. Entre matrículas, vagas e decisões sobre o futuro académico, muitos jovens e famílias enfrentam dilemas complexos: continuar no ensino superior, optar por uma formação profissional mais curta ou, simplesmente, procurar outras oportunidades. A preocupação não é apenas ingressar numa instituição reconhecida e de qualidade, mas também garantir que o certificado emitido tenha valor real no mercado de trabalho.
No meio dessas dúvidas, surge uma questão cada vez mais pertinente: vale mesmo a pena investir no ensino superior? Para muitos, o medo é terminar o curso e acabar “a chutar latas” ou ver o diploma servir apenas como adorno numa banca de peixe seco.
Essa descrença não surge do nada. Ela é alimentada por várias razões: altos custos, endividamento, fraca empregabilidade, ascensão da educação alternativa, percepção de irrelevância de alguns conteúdos e maior valorização das habilidades práticas.
■ Custos crescentes
Frequentar o ensino superior tornou-se cada vez mais caro. Apesar da proliferação de universidades pelo país, a realidade é que a educação formal também passou a ser vista como um negócio lucrativo, muitas vezes mais preocupado com receitas do que com qualidade.
Mensalidades, taxas administrativas, propinas atrasadas com juros e até custos de vida para estudantes deslocados tornam a jornada académica pesada. Para muitas famílias, o investimento parece desproporcional em relação ao retorno esperado.
■ Dívidas estudantis
Em países com melhores mecanismos de apoio, bolsas e empréstimos estudantis são uma saída. Em Moçambique, essa realidade é rara. Muitos estudantes dependem de sacrifícios familiares, contraem dívidas que dificilmente conseguem pagar ou, no pior dos casos, ficam pelo caminho sem concluir os estudos.
Quando a formação se transforma em peso financeiro sem garantia de retorno, a fé no ensino superior perde força.
■ Empregabilidade
O diploma já não é sinónimo de emprego. O mercado moçambicano, dominado pelo desemprego e pelo subemprego, mostra uma dura realidade: milhares de licenciados desempregados ou a trabalhar em áreas totalmente diferentes da sua formação.
A pressão das instituições para o pagamento das propinas desvia o foco dos estudantes e fragiliza a qualidade do ensino. Para piorar, histórias de empreendedores sem diploma que hoje empregam graduados alimentam a percepção de que a universidade pode não ser indispensável para o sucesso.
■ Educação alternativa
Bootcamps, cursos online e formações técnicas curtas estão a ganhar terreno. São vistos como práticos, acessíveis e capazes de gerar resultados imediatos.
Em vez de perder anos numa formação teórica e distante da realidade, muitos jovens preferem aprender carpintaria, programação, serralharia, canalização, pesca, marketing digital ou outras áreas que oferecem sustento rápido.
O mercado, por sua vez, também começa a valorizar mais técnicos operacionais do que quadros superiores sem experiência prática.
■ Experiência irrelevante
Muitos formados queixam-se de ter passado anos a estudar matérias irrelevantes para as suas carreiras. Outros, trabalham em áreas totalmente diferentes e já nem recordam as cadeiras essenciais da sua licenciatura.
Há também quem frequente a universidade apenas para ascender na carreira pública ou melhorar o salário, sem qualquer intenção de aplicar os conhecimentos. O resultado é um título vazio, sem ligação prática com a vida profissional.
■ Habilidades práticas
Existe uma crescente valorização do “saber fazer” em detrimento do “saber falar”. Muitos cursos do ensino superior em Moçambique continuam a privilegiar teorias abstractas, difíceis de aplicar. O resultado são mestrados que mais parecem títulos honoríficos do que verdadeiros exercícios de conhecimento.
A dificuldade em redigir um artigo, formular um argumento crítico ou apresentar soluções para problemas da comunidade expõe as fragilidades de muitos graduados. O título, por si só, não prova competência.
■ Professores sem vocação
Outro problema é a qualidade da docência. Muitos leccionam não por vocação, mas como fuga ao desemprego. Falta-lhes pedagogia, capacidade de transmitir conhecimento e, em alguns casos, até ética — o que abre espaço para fenómenos como assédio, corrupção e abuso de poder dentro das instituições.
■ A reforma salarial e o desinteresse pelo estudo
Com a recente reforma salarial, alguns sectores — como o exército — deixaram de considerar o grau académico para certos subsídios e promoções. Isso levou muitos funcionários a perderem a motivação para estudar, uma vez que recebem salários competitivos sem precisarem de qualificação superior.
Reflexão final
A realidade é que o ensino superior em Moçambique enfrenta uma crise de legitimidade. Para muitos, continua a ser um sonho e uma oportunidade. Para outros, é apenas um investimento duvidoso que não garante retorno.
O aumento das alternativas e dos custos obriga os jovens a repensar: vale mais um diploma na mão ou uma habilidade que garante o pão diário?
Não se trata de desvalorizar a universidade. Ela continua a ter o seu peso e importância, sobretudo quando associada ao mérito, esforço e verdadeiro compromisso com o saber. Mas, cada vez mais, é preciso combinar a formação académica com práticas, estágios, empreendedorismo e criatividade, para que o diploma não seja apenas um papel bonito, mas uma ferramenta de transformação pessoal e social.
📌 Nota final:
Investir no ensino superior continua a ser positivo, mas apenas quando aliado a esforço pessoal, visão prática e adaptação às necessidades reais da comunidade. Caso contrário, o risco é transformar anos de estudo em frustração.
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