DO OLHAR CURIOSO AO OLHAR CRÍTICO

Lulu Menziwa e o Desafio do Corpo Feminino na Sala de Aula

Em Moçambique, onde as ruas de Maputo ou as salas de aula de Nampula ecoam com o burburinho de vozes multiculturais, uma imagem simples pode reacender debates antigos. Lembremo-nos daquela foto que circulou nas redes: um menino, com o pescoço torcido quase a 180 graus, fixando o olhar numa senhora que passava, vestida com shorts curtos num dia de calor abrasador. Aquela curiosidade infantil, inocente e descomprometida, era o ponto de partida para uma reflexão maior – sobre como os olhares se formam, como o respeito se ensina (ou não) e como o machismo enraizado transforma um "olhar" num fardo invisível para as mulheres. Agora, avancemos dali: imagine que esse menino, agora homem crescido, entra numa sala de aula. Não como aluno, mas como observador casual. E o que vê? Lulu Menziwa, a influenciadora digital e educadora sul-africana que se tornou sensação na internet graças ao seu estilo de moda distinto – um top listrado em tons de azul e branco que realça a silhueta, calças de couro castanho justas que abraçam as curvas, e saltos altos reluzentes com pedras que captam a luz como um lembrete de brilho próprio. De pé junto ao quadro negro, com o cabelo solto em madeixas longas e maquiagem que realça os traços africanos fortes, ela posa com as mãos sobre o peito, como se convidasse o mundo a ver além da superfície. O quadro atrás dela, rabiscado com lições sobre "espaços sagrados" e a separação entre "povos ordinários" e elites no passado colonial, parece ironizar o presente: será que o corpo dela é visto como "sagrado" ou como provocação num espaço que devia ser de saber puro?

Esta imagem, capturada num ambiente escolar sul-africano – com as paredes de tijolo cru e o quadro verde gasto pelo uso diário –, não é mero acaso. É um espelho pluricultural dos dilemas que as mulheres enfrentam no trabalho público: professoras, médicas, agentes da polícia ou funcionárias de balcão em bancos e ministérios. Lulu Menziwa, conhecida por usar roupas justas e da moda na sala de aula, gerou um debate aceso e controverso nas redes sociais, com críticas que a acusam de "aparecer demasiado quente para os alunos" ou até de promover comportamentos inadequados. Aqui, em África Austral, onde o calor dita as roupas leves e a herança colonial ainda sussurra normas rígidas, vestir-se assim não é só escolha estética; é acto de agência. Mas e se o "pescoço virado" do menino evoluir para o "olhar julgador" do adulto? Como essa postura – confiante, sensual sem ser vulgar – choca com as expectativas de modéstia impostas a quem atende o público? Vamos desmontar isso, passo a passo, com um olhar que cruza fronteiras, do Zambeze ao Mississipi, de Joanesburgo a Tóquio, para entender que o problema não é o vestido, mas o olhar que o interpreta.

O Corpo no Palco do Trabalho Público: Entre o Empoderamento e o Julgamento

Numa sala de aula em Joanesburgo ou na enfermaria de um hospital em Pemba, a mulher que escolhe calças justas e saltos não está a "provocar", como tantos comentários apressados diriam nas redes. Ela está a navegar um mundo onde o profissionalismo feminino é medido por uma régua dupla: para os homens, fato e gravata bastam, independentemente do corte; para as mulheres, o equilíbrio entre autoridade e "decência" é um malabarismo constante. Lulu Menziwa, professora de escola secundária governamental na África do Sul e modelo, enfrentou críticas online por semanas, respondendo com firmeza àqueles que questionam o seu vestuário. Na imagem, ela evoca a história moçambicana de desigualdades coloniais rabiscada no quadro – "espaços sagrados" que separavam elites dos comuns. Mas invertamos: hoje, quem separa as mulheres "comuns" das "elites" do respeito? Não é o couro castanho das calças, que grita modernidade e autoconfiança, mas os olhares que as reduzem a objectos.

Em Moçambique, onde 70% da força de trabalho feminina está no sector informal ou público de baixa remuneração (segundo dados do Instituto Nacional de Estatística), o vestuário torna-se ferramenta de sobrevivência. Uma médica em Manica, vestida assim, pode inspirar alunas a sonhar grande, mostrando que o saber não anula a feminilidade. Mas o reverso da moeda? Os sussurros nos corredores – ou os posts virais: "Ela assim, como é que os pacientes se concentram?" É o eco do menino do "pescoço virado": uma curiosidade que, sem orientação, vira censura. Pluriculturalmente, isso ressoa em eco com o "dress code" nas escolas americanas, onde professoras negras enfrentam acusações de "distração" em distritos conservadores do Sul dos EUA, reminiscentes do Jim Crow. Ou na Índia, onde médicas em salwar kameez justos são elogiadas por Bollywood mas criticadas em hospitais rurais por "ocidentalizarem" o sagrado da cura. No Brasil, uma agente policial em Rio de Janeiro com calças coladas pode ser ícone de empoderamento na Marcha das Mulheres, mas alvo de piadas machistas nos quartéis. O padrão é global: o corpo feminino no espaço público é policia do por si só. E no caso de Lulu, apesar das acusações graves como promover "sex work" entre alunos, os seus estudantes nunca faltam às aulas, transformando a controvérsia em prova de impacto positivo.

Da Curiosidade Infantil ao Ciclo do Machismo: Quebrando o Olhar

Voltemos ao menino. Se ninguém lhe disse "olha para a frente, respeita o espaço dela", ele cresce a internalizar que o olhar é direito, não privilégio. Agora, adulto, ele – ou a sociedade que o moldou – vê Lulu Menziwa e pensa: "Ela devia cobrir-se mais, para não distrair." Mas distrair quem? Os alunos, que deviam focar na lição sobre "povos separados"? Ou os colegas homens, cujos "pescoços virados" revelam mais sobre falta de autocontrole do que sobre a roupa dela? Aqui, o machismo enraizado – que o artigo original tão bem expunha – não é só africano; é humano, pluricultural. Em França, o debate sobre o hijab nas professoras muçulmanas inverte o guion: ali, é o "cobrir" que ofende o laico; cá, é o "revelar" que ofende o conservador. No Japão, onde as olarias (uniformes escolares) ditam rigidez, uma docente com toques sensuais pode ser vista como "kawaii" (fofa) por uns, mas "profissionalmente inadequada" por outros, ecoando o mesmo dilema: quem define o "adequado"?

A falha na educação de género, como eu observava antes, é o elo fraco. Em Moçambique, programas como o "Género na Escola" do Ministério da Educação poderiam expandir-se para diálogos abertos: "O que sentes quando olhas assim? Como te faria sentir se invertêssemos?" Intervenções precoces – um toque no ombro, uma conversa franca – quebram ciclos, como o autor sugeria com humor leve. Globalmente, isso alinha-se com campanhas como #MeToo na Europa ou #AmINext na Tunísia, que transformam o "pescoço virado" em conversa colectiva. Imagine Lulu Menziwa não como "exemplo mau", mas como catalisadora: as suas calças de couro, num dia de aulas sobre história colonial, ensinam que o corpo não é colónia a ser conquistada, mas território soberano. Ela mesma, ao responder às críticas com unhas e dentes nas redes, exemplifica essa resistência.

Rumo a um Respeito Pluricultural: O Olhar que Cura

No fim, esta imagem não é provocação; é provocação ao pensamento. Num Moçambique pluricultural, onde changanas, macondes e xichuanas tecem a tapeçaria nacional, aceitar que uma professora vista saltos e calças justas é aceitar que o profissionalismo não é assepsia moral. É global: da Nigéria, onde activistas como Chimamanda Ngozi Adichie defendem o "feminismo para os machos", à Austrália, onde políticas de vestuário em tribunais evoluem para inclusão de corpos diversos. Lulu Menziwa, com a sua presença ousada, continua a expressar-se através da moda, transformando bullying de colegas e críticas online em combustível para autenticidade. O menino que fixou o olhar na senhora de shorts? Ele podia ser aluno dela hoje. E se, em vez de julgar, aprendesse que respeito começa no autocontrole, não na censura alheia?

Que esta lente – de uma imagem cotidiana num quadro negro gasto, viralizada por uma educadora que desafia normas – nos leve a diálogos abertos, a educação que não separa "sagrado" do "ordinário", mas une todos no direito à existência plena. Porque, no calor de África ou no fresco de qualquer sala de aula mundial, o verdadeiro "espaço sagrado" é o onde ninguém precisa torcer o pescoço para ser visto – ou julgado. E aí, leitor, qual é o teu olhar?

Comentários