Proíba-se a leitura

 Opinião Pessoal 17:


Resumindo a Opinião do advogado Jacinto Pena:

Proíba-se a leitura

Não há comentador que quando entrevistado não lamente, que a juventude não quer saber de ler. Mas quando indagado, não saiba resolver esse problema cabeludo. E há anos organizam-se feiras onde pouco se fala de literatura, por entre elogios, exposições, concursos e premiações, etc, sem nunca se explicar a importância da leitura, se não a repetição da mesma lamentação. A que se deverá tamanho fracasso?

IMPORTÂNCIA = NECESSIDADE

A importância é uma qualidade intrínseca à necessidade. Nessa perspectiva, algumas razões objectivas, sem sermos exaustivos, recaem para:

  • Ser indispensável para se passar de classe;
  • Ser uma exigência para ingressar numa Universidade!
  • Ser condição ou vantagem manifesta para ter acesso a emprego!
  • Ser requisito para poder progredir na carreira profissional e ascender a funções de chefia!

Nenhuma destas razões se verifica em nenhum nível de ensino, desde que paguem a Taxa de Matrícula e as mensalidades sem atraso, paguem a beca e o diploma, são graduados sem o saberem fazer – como se diz na informática, “Garbage in, garbage out”.

Regressados aos seus locais de trabalho, onde já não tiveram necessidade de saberem ler para arranjarem emprego, estes iletrados, graduados, têm as portas das empresas e dos serviços escancaradas para acederem a funções de direcção, gestão e governação até chegarem ao topo. 

E logo ler não é importante. Agora, são eles quem determinam aquilo que é necessário e cientes que isso é uma deficiência, sentem-se ameaçados por quem saiba ler, baniram essa competência da lista dos requisitos de qualificação, decretam que ler não é importante nem para ser eleito nem para eleger.

A única conclusão que se pode retirar sobre a falta de interesse pela leitura é que para tudo aquilo de que cada um necessita, não é necessário saber ler.

GOSTAR = SABER

Para se poder gostar de ler, primeiro é preciso saber ler. Na literatura podem fazer-se romarias de escritores, encher-se as livrarias e bibliotecas com os livros de todo mundo, enquanto as pessoas não saberem ler, não irão lá para os obter, isso exige saber ler. Tem que ensiná-las a ler primeiro. Ninguém pode ser obrigado a gostar de ler. Gostar de ler é um direito individual. Mas saber ler é uma obrigação social. Não se ensina o gosto! Cria-se a competência.

LIVROS … ESCOLA … ACÇÃO

Na Escola Primária se aprende a ler, concretamente na 1ª e na 2ª classes. Na 3ª Classe já não se ensina a ler. Usa-se a capacidade de leitura para começar a aprender, se desenvolve e se consolida em simultâneo a capacidade de leitura.

Se pretende promover a competência de leitura, não é para experts, bem como os escritores, desatarem a visitar escolas! É para se reactivar o trabalho dentro das salas de aula, através dos professores.

E é necessário também que o Currículo determine livros de leitura obrigatória em cada classe, e que a capacidade de interpretação correcta dessas leituras, seja a condição sine qua non para a passagem de classe! A sociedade escolhe e filtra o nível de competência que quer atingir.

Assim a escola é o primeiro elo desta corrente de seleção: quem aprendeu a ler passa, quem não aprendeu não passa! Até aprender. Esta filtragem tem de ser feita através da realização de exames, e não removendo-os. São as provações que desenvolvem o génio humano. As facilidades atrofiam-no.

Portanto, para que ler volte a ser importante, impõe-se voltar a exigir na admissão e na progressão nas escolas e universidades, no Estado e nas empresas, a competência de leitura como critério de aptidão. Isso fará com que todo o lado, gente queira ler e que se vai bater por aprender a ler. Sem precisar que alguém venha dizer.

Atenção, isto será um combate! Porque a luz desvenda muitos mistérios, o que não interessa aos interesses instalados em ambos os hemisférios! Sugiro até uma estratégia para vencer este combate: fazendo fé em que “O fruto proibido é o mais apetecido”, e conhecendo a propensão nacional para desobedecer às regras, deve decretar-se a Proibição Nacional da Leitura!

Talvez, assistamos a um movimento nacional de desobediência civil, com os cidadãos, imbuídos da rebeldia, a lerem livros nos espectáculos, desfiles, cabeleireiros, campos de futebol, nas barracas e enquanto aguardam pacientemente pelos “My Love”… se calhar, deve ser por isso que não as deixam aprender a ler! Para que não percam a paciência. Porque ler dá cabo da paciência!

Fonte:

  • Resumido do Jornal - O País, Segunda-feira, 17 de Abril de 2022, Opinião, pag 22.

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