O PESCOÇO VIRADO E A LIÇÃO QUE NINGUÉM ENSINOU
Quando a Curiosidade Infantil Revela Falhas na Educação sobre Respeito
Uma fotografia aparentemente comum capturada numa rua de bairro, revela muito mais do que o olhar desatento poderia perceber. Na imagem, um menino jovem, descamisado e descalço, caminha, mas não é a sua condição socioeconómica que chama a atenção nesta análise, é o seu pescoço. Virado quase cento e oitenta graus, os seus dois olhos fixos, completamente absorvidos pela visão de uma senhora que caminha na direcção oposta, usando uma blusa e shorts. O miúdo está tão concentrado na sua observação que se esquece completamente do caminho à frente, da sua própria segurança, de tudo que o rodeia.
Este momento congelado no tempo é simultaneamente cómico e profundamente revelador. É o tipo de cena que muitos reconhecem, alguns com um sorriso cúmplice, outros com um suspiro de resignação. Mas o que esta imagem realmente nos mostra? Será apenas um momento inocente de curiosidade infantil ou o início de um padrão de comportamento que precisa de ser corrigido desde cedo?
A primeira reacção de muitos ao observar esta fotografia é o riso. Há algo de universal neste comportamento, algo que atravessa culturas e gerações. O menino não desenvolveu ainda a capacidade adulta de disfarçar, de ser discreto, de controlar os seus impulsos visuais. Ele simplesmente vê algo que lhe chama a atenção e vira-se completamente, sem filtros, sem vergonha, sem consciência social. É pura curiosidade em estado bruto. E talvez seja exactamente por isso que a imagem nos faz sorrir: ela captura uma honestidade que os adultos já perderam, para o bem e para o mal.
Mas por detrás do humor, existe uma questão séria que merece reflexão. Este menino está numa idade crucial de formação de valores e comportamentos. O que ele aprende agora sobre como se relacionar com as mulheres, como olhar para elas, como respeitá-las enquanto seres humanos completos e não apenas como corpos a serem apreciados, vai moldar o homem que ele se tornará. E aqui surge a pergunta inevitável: quem está a ensinar-lhe estas lições? Quem está ao seu lado para lhe dar um toque no ombro e dizer "ei meu filho, olha para a frente, respeita o espaço da senhora"? Ou pura e simplesmente dizer lho que "quem se descontrola por olhar rabos, perde a cabeça e tropeça, na vida!
A realidade é que em muitas comunidades, especialmente nas zonas rurais e suburbanas de Moçambique e de África em geral, estas conversas sobre respeito, limites e comportamento adequado em relação às mulheres simplesmente não acontecem. Ou pior, acontecem da forma errada. Em vez de ensinar aos rapazes sobre autocontrolo e respeito, ensina-se às raparigas a cobrirem-se, a serem modestas, a não "provocarem". A responsabilidade é deslocada de quem age para quem é observado.
Este pensamento ficou evidente numa reacção comum à fotografia: "Mas também ela daquele jeito quase que assedia qualquer um. Ela devia vestir-se moderadamente." Esta frase, aparentemente inocente, carrega consigo séculos de condicionamento social problemático. A ideia de que uma mulher, simplesmente por usar roupa que mostra parte do seu corpo, está de alguma forma "a assediar" ou "a provocar" é fundamentalmente errada e perigosa. É a mesma lógica que tem sido usada para justificar todo o tipo de comportamento inadequado, desde o assédio verbal até violações muito mais graves.
Vamos ser claros: a senhora na fotografia está usando roupa perfeitamente normal e apropriada para o clima quente. Ela não está a fazer nada de errado. Ela não está a "provocar" ninguém. Ela simplesmente existe, caminha na sua rua, vai sobre os seus assuntos. O facto de alguém escolher fixar o olhar nela de forma intensa não é responsabilidade dela, é responsabilidade de quem olha. Esta distinção é fundamental e precisa de ser ensinada desde a infância.
Imagine por um momento se invertêssemos a situação. Se um homem caminhasse sem camisa numa rua quente e uma rapariga virasse o pescoço para olhar, alguém diria que ele está "a assediar" ou que deveria vestir-se de forma mais modesta? Claro que não. Mas de alguma forma, quando se trata de mulheres, a narrativa muda. O corpo feminino é simultaneamente censurado e sexualizado, controlado e objectificado. As mulheres devem cobrir-se para não "tentarem" os homens, mas também são criticadas se se cobrem demasiado. É um jogo impossível de vencer.
A verdade inconveniente é que esta mentalidade não é apenas injusta para as mulheres, é também insultuosa para os homens. Ao sugerir que os homens não conseguem controlar-se perante a visão de um corpo feminino, estamos essencialmente a dizer que os homens são criaturas sem autocontrolo, governados apenas pelos seus impulsos mais básicos. Estamos a infantilizar os homens, a reduzir a sua humanidade, a negar-lhes a capacidade de escolher como se comportam. E isto é tão prejudicial para os homens quanto é para as mulheres.
O miúdo na fotografia não nasceu a objectificar mulheres. Ele está a aprender este comportamento do mundo à sua volta. Ele observa os homens adultos na sua comunidade, vê como eles reagem, ouve os comentários que fazem, absorve as mensagens subtis e não tão subtis sobre como os homens "devem" comportar-se em relação às mulheres. Se ninguém intervém, se ninguém lhe ensina uma forma diferente e melhor de ser, ele vai simplesmente perpetuar os mesmos padrões.
Mas aqui está a boa notícia: os padrões podem ser quebrados. As mentalidades podem mudar. E tudo começa com educação, com conversas honestas, com modelar o comportamento correcto. Começa com um adulto a ver este menino virar o pescoço e, em vez de rir e deixar passar, parar e ter uma conversa. Não uma conversa que envergonhe o menino pela sua curiosidade natural, mas uma conversa que o ensine sobre respeito, sobre discrição, sobre ver as mulheres como pessoas inteiras e não apenas como objectos visuais.
É importante reconhecer que estas mudanças de mentalidade são mais difíceis em contextos rurais e em comunidades onde certas normas estão profundamente enraizadas há gerações. Não se trata de julgar ou de impor valores "urbanos" ou "ocidentais". Trata-se de reconhecer que alguns valores são universais: o respeito pela dignidade humana, o direito de cada pessoa controlar o seu próprio corpo e as suas escolhas, a responsabilidade individual pelo próprio comportamento. Estes não são valores de um lugar ou cultura específica, são valores humanos fundamentais.
A fotografia do menino com o pescoço virado é, no fundo, um espelho. Ela reflecte de volta para nós as nossas próprias atitudes, os nossos próprios preconceitos, as nossas próprias falhas em educar a próxima geração de forma adequada. Podemos olhar para ela e rir, e seguir em frente. Ou podemos olhar para ela e perguntar: o que estamos realmente a ensinar aos nossos filhos? Que tipo de sociedade estamos a construir com os nossos silêncios e com as nossas cumplicidades?
A mudança começa com conversas difíceis. Começa com questionar narrativas que sempre aceitámos sem pensar. Começa com reconhecer que talvez, apenas talvez, a forma como sempre fizemos as coisas não é necessariamente a forma certa. E começa com decidir que queremos melhor para os nossos filhos, tanto rapazes quanto raparigas.
Porque no final do dia, este não é apenas um artigo sobre um miúdo que virou o pescoço para olhar uma senhora. É um artigo sobre como construímos o respeito, como ensinamos valores, como moldamos o futuro. É sobre escolher criar homens que respeitam mulheres, e mulheres que não têm de se censurar para serem respeitadas. É sobre criar uma sociedade onde ninguém tem de virar o pescoço de forma invasiva, e ninguém tem de sentir-se observado de forma desconfortável.
A lição que ninguém ensinou ao menino na fotografia é a mesma lição que muitos de nós ainda precisamos de aprender: respeito não se trata apenas de como agimos, mas de como pensamos. E está mais do que na hora de começarmos a pensar diferente.
As famílias e igrejas têm um papel fundamental na mudança de mentalidade. Ciente de que vivemos num mundo tecnológico bastante acelerado.
ResponderEliminarCada um deve fazer a sua parte.
Eu gostaria de comentar este texto de forma profunda. Mas para resumir, não conheço o verbalizador, a sua ideologia, mas sinto que foste parcial na sua análise. "Quando afirmas que a forma como a senhora está vestida é perfeitamente normal? Normal aos olhos de quem? Foi um texto muito bem intencionado mas sinto que peca quando de certa forma assumi que a responsabilidade aqui é unilateral, julgo que seria mais rico se tambem explorasses o outro lado, a necessidade que as meninas/senhoras tem de respeitar o seu proprio corpo."
ResponderEliminarQue orgulho para o pai desse menino!… Temos aí um futuro general.
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