Os contornos por detrás das vandalizações e roubo de enérgia eléctrica

Quanto custa ser honesto para com a EDM?

Confronto entre electricistas e populares. Algures em Tete

Na viagem por via terrestre que me levava a conhecer e me instalar na Província de Tete, além de dolorosa pela má qualidade da estrada de Maputo para o destino, o que havia de bom era a conversa em três dias de viagem para percorrer uns 1400 km, sensivelmente. Uma das conversas que logo internamente repudiei, foi sobre o roubo de energia – a corrente elétrica, que parece comum por essa região.

Diziam os jovens estudantes, provavelmente universitários, que não fazia sentido que em Tete a energia fosse muito cara, enquanto a Vilade Songo tinha-a de graça. Eu respondia-lhes em silêncio, que talvez era para compensar o bónus que os de Songo tinham. De todas formas não aprovara o comportamento de desvio ou furto de corrente electrica. Até pôr os meus pés em Tete, arrendar uma casa coberta de zinco, sentir a variação da temperatura entre os 26º C a 40º C, adquirir relutantemente um AC de 12 BTU’s e ver o quanto me custava tê-lo 18 horas ligado por dia.

Em causa está a atitude do povo dessa região face a postura da própria empresa, concretamente aos seus técnicos, que muitas vezes se envolvem em confrontos e multas que abrem um capítulo de corrupção consentida. Depois de vários apelos das autoridades e entidades governamentais, ao não roubo de energia, fora de ser político esse tipo de discurso, eu reflito como um problema social e que merece um estudo aprofundado. Pois o problema não é só a população ou os clientes. A postura da própria empresa também incentiva que esses furtos se alastrem e se sofistiquem ainda mais.

Uma vez que alguns técnicos e operadores que correm vários riscos ao escalar os postes de energia entre baixa e media tensão, reclama de haver tratamento diferenciado entre eles e aos engenheiros e outros funcionários que sentados em gabinetes, recebem bem e com uma gama extensa de regalias. E o quê sobra para estes guerreiros destemidos que na chuva e no sol escalam postes em postes? Manter emprego é importante que qualquer ganho almejado se o patrão não reconhece os riscos.

Afinal, fora dos estudantes vindo das escolas industriais, que percebem dos princípios de funcionamento dos contadores de energia e tentam pôr em pratica os conhecimentos, às vezes inocentemente ou por puro exibicionismos ou  ainda em troca de algum favor ou trocado por falta de emprego;  existem também estes funcionários descontentes e desmotivados, se não ainda ingratos “injustificavelmente”, a mostrarem ou mesmo a montarem esquemas de ludibriar o sistema ou mesmo auxiliar na pratica de desvio da corrente para ganham algum trocado como recompensa da sua insatisfação.

É geral, sempre que há inauguração de um empreendimento ligado a rede eléctrica no território nacional, independentemente da sua envergadura, há apelos repetitivos de evitar o furto de energia. Mas em nenhum momento chegam informações que por esta e aquela razão vai se baixar o preço dos impulsos pela metade; vai se reduzir esta e aquela regalia para o pessoal de direção e compensar aos eletricistas, técnicos aqueles que escalam os postes; ou haverá alguma política que se traduza em estratégia para acolher aos graduados em electricidade nas escolas industriais. Afinal, “Cahora Bassa é nossa, e cada um tira o seu bocado…” (Azagaia)

Sem querer lembrar que ao se erguer a barragem de Cohara Bassa, trouxe consequências para o ecossistema ribeirinho e fluvial aos que vivem e habitam ao longo do caudal do Zambeze, danos marinhos que levaram a redução drástica da reprodução do camarão (que era um dos nossos potenciais na exportação) devido a redução de nutrientes necessários para o seu desenvolvimento. Mesmo com isso, a população comum e das espécies ao longo do caudal saiu a perder e prejudicada. Agora deve arcar com os custos ao se beneficiar da energia de Cohara Bassa.

O cenário agravante

O pior desse dilema é quando as equipes instituídas para fiscalização e inspeção, ainda que acompanhadas com agentes da lei e ordem, escolhem casas para passar ou bairros para desmantelar as ligações, praticas e actos de furto de corrente electrica. Não é justo que todas as incursões só recaiam aos pobres que tentam sobreviver e adiar um possível suicídio pelo elevado custo de vida e razão de despreparo para viver como moçambicanos em Moçambique.

As equipes incidem mais para casas dos cidadãos e munícipes, moçambicanos de baixa renda e que não apresentem alguma resistência ou não tenham algum poder. Aos da elite, nunca há vistoria nas suas casas nem nos seus postes. Mas aos restantes pobres, é normal receber visitas semanalmente e a serem ameaçados retirar o contador que está na parede, dentro de casa, para o poste. Outra medida fora da prisão, são as multas que para anular na hora há uma negociação, assim como corte da corrente imediatamente.

Nessa sequencia, surgem subornos e às vezes são os tais técnicos que tiram os contadores dos postes, quando colocados por um programa e campanha institucional, tiram para dentro das casas. Nos outros quintais, por exemplo ao que tem cães, quando vigoram essas campanhas e coincidentemente o poste de distribuição estiver dentro do quintal, os proprietários e donos, largam os cães e nenhum técnico entra. Assim ganham mais meses a usar a energia furtada livremente.

Uma das formas de ligação clandestina - Gato

Opinião pessoal

É como digo, o que se ganha sendo honesto em Moçambique é doloroso, são contas e dividas, decepções e frustração de gerir a elevado custo de vida, onde os impostos se sobrecarregam nas facturas. Os mais espertos, calçam o gato durante à noite e tiram durante o dia, recarregam mensalmente só para pagar as taxas de lixo, IVA, rádio de fusão, etc. mas fora disso, não fazem muito para melhorar a sua consciência sobre a necessidade de pagar justamente pelo consumo da corrente eléctrica, no sentido de manter os investimentos para a melhoria de qualidade de fornecimento desta.

Porquê? O povo não é tão analfabeto e muito menos burro pelo simples facto de ter idiotas a liderá-los, como se pensa e como dizem, “que é assim que se programou que fosse”. Está se sabendo que os lucros exorbitantes que a empresa de energia ou melhor a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) e a ElectricidadeDe Moçambique (EDM) ganham, mesmo com esses roubos e desvios ou furtos, chega para fazer manutenções, aquisições de melhores equipamentos e inovar a infraestrutura que suporta o sistema de distribuição no país e alastrar a rede para o resto das populações no país.

Só não chega para isso e muito mais, por que fazem dos cofres e das colectas de receita um saco azul para campanhas do partido, financiar e investir em empreendimentos privados no estrangeiro, esbanjar em passeios, ferias, formações dos familiares e amantes dos gestores e dos de mais dirigentes superiormente hierárquicos vinculados a EDM e a HCB, se não ao Ministério dos Recursos Minerais e Energia. E disso o povo sabe a questão é, como e quando é que o povo se beneficia com investimentos ou com empresas estatais como estás, se não for desse jeito?

Só dói quando o pobre também tira proveito ou descobre de alguma forma como se beneficiar de alguma coisa que esse país tem ou produz.

Cenários inoportunos de oportunistas

O pior ainda das campanhas de vistoria, inspeção e fiscalização desencadeadas para desmantelar e reduzir a onda de furto e ligações clandestinas, tem haver com existência de funcionários destacados para o efeito, serem ou integrarem pessoas que entram nas casas para fazer um reconhecimento da segurança dos edifícios e fazer estudo dos imóveis que potencialmente podem ser roubados, depois da vistoria ou mesmo nos casos que entram numa casa e descobrem que os donos não estão, viram ladrões.

Já foram várias vezes flagrados técnicos da vistoria sem documentos. Pois, além da credencial e crachá, como cidadãos moçambicanos, devem ainda portar um Bilhete de Identificação (B.I) ou documento similar para confrontar a identidade do funcionário com os dados da identificação. Mesmo que alguns possam falsificar, mas há casos que, mesmo acompanhados de agentes da lei e ordem, o técnico só vem com crachá ou credencial e quando solicitado para exibir os três documentos, entra em pânico, resmunga e chamam um outro funcionário que vem nervoso e com uma serie de alegações e acusações intimidatórias, se também tiver documentação completa segundo as exigências do cliente, como requisito para aceitar a entrar na sua casa.

Outros casos são de vistorias inopinadas que a própria empresa não tem conhecimento e as invasões de burladores ou agentes falsos, que chegam até a efectuar cobranças para fechar a vista e realizar cortes dos cabos, que posteriormente levam para ir vender noutros sítios. O povo por vezes não tem como denunciar e travá-los com medo de ofender em caos de se tratar de agentes verdadeiramente credenciados para o efeito. Outro erro reside por não se esclarecer por parte da EDM qual é a constituição orgânica dos que vão fazer a vistoria.

Em todo o caso, está outra vez provado que é intrigante para os dirigentes quando o povo de alguma forma tira proveito dos recursos. Não havendo aqui nenhum incomodo manifestado pelo povo, quando os seus dirigentes extravasam e exageram nos gastos, excessos das regalias, benefícios e bens alheios ao custo dos lucros do que se diz que é nacional, em detrimento de construção de infraestruturas que melhorariam o bem-estar e condições de vida das populações, sem precisar de endividamento externo, até mesmo a redução da divida publica que é passada de mandato para mandato e de geração em geração.

Então, antes da campanha dos cortes por furto e desvio de corrente nas casas dos pobres, há que rever o destino dos lucros e ganhos da EDM e da HCB. As tantas, com a venda de energia nos países e às grandes empresas como as multinacionais, que operam a muitos anos, haveria subsídios para a população, construção de infraestruturas e a prossecução de outras ações sociais, humanitárias e de emergência, sem necessariamente sempre esperar de mão estendida ao estrangeiro que nos sai caro e nos leva à uma neocolonização.

Antes de exigir ao povo, é preciso que a instituição, seus dirigentes, parceiros e os demais colaboradores sejam exemplares.

Por fim, roubar ao Estado é um crime. Só que a questão é não ter se dito à quem é sujeito e quem é isento. Pois o que vimos é que muitos roubam e furtam, mas a justiça só se aplica aos da classe baixa, aqueles que cujo a renda é baixa ou o povo, enquanto aos dirigentes tem direitos não declarados e se chateiam quando um cidadão pacato se beneficia. Perante a lei devíamos ser iguais e não o que acontece. Até há uma dúvida se os dirigentes e os endinheirados neste país são religiosos. Pois em muitas religiões roubar ou qualquer acto semelhante é mau.

A culpa das quebras e perdas nos ganhos, não vem apenas dos roubos e vandalizações. Se do mesmo jeito que são punidos os que roubam material e equipamento eléctrico, os que desviam corrente, os que fazem as tais ligações clandestinas, etc. fossem também punidos os que abusam da má gestão das receitas colhidas por essa empresa, compensaria ao Estado e haveriam muitas realizações. Uma delas e não muito importante seria a consciencialização colectiva do publico em geral na honestidade, como um dos seus valores de cartaz e o povo estaria a fazer dos dirigentes e funcionários da EDM à sua imagem. Ademais, o povo apenas faz a replica do perfil da EDM com seus dirigentes e os demais colaboradores. 

Tete, 11 de Junho de 23

 

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