Traumas invisíveis no cérebro de um soldado vindo do combate.


Introdução

No início não queria que fosse uma exposição crítica, pelo contrário foi querendo homenagear os guerreiros e “guerrilheiros”, que estiveram e estão diante dos confrontos, conflitos político-militar nos últimos anos, na zona centro e norte do país, sem precisar as datas. Mas por ter perdido colegas de trincheira e ter visto outros, embora poucos, ascenderem aos postos hierarquicamente superiores, pela sua entrega e pelo seu inegável destaque em combate, inspirou-me a natureza, falar de certos aspectos inerentes às consequências que ficam depois duma "missão cumprida".

Teria intitulado assim, quanto custa um soldado? Mas prefiro perguntar ao leitor "quanto custa ser um soldado?". Bem, hoje em dia, há relatos vagos, sem provas e este texto também não é uma denúncia, é só uma reflexão do que se pode ouvir por aí. Dizem que: 

É muito caro, o preço é alto, para entrar ou candidatar-se e ser apurado para fazer parte das FDS, através da Academia Militar ou Policial ou para o cumprimento do serviço militar obrigatório ou fazer parte das outras corporações de defesa e segurança, através do recrutamento “obrigatório”/voluntário nas comunidades.

Talvez seja por esse motivo, que alguns, por terem pago muito caro, para serem militares ou polícias, recusam-se a cumprir certas missões, restringindo-se apenas, às missões em que paga-se ajuda de custo e sem riscos a vista que caracterizam a própria condição militar ou a missão de risco por natureza. "não estou a denunciar, estou a falar só". E isso também não acontece nas FADM nem na PRM. Quem seria eu para descobrir e denunciar o que não se passa lá? É o que dizem por aí e nem eu disse aqui.

Em condições normais, quando os cidadãos, jovens, se alistam para servir o país através das FDS, ou, depois do cumprimento do serviço militar obrigatório e decidem ficar, em todos esses casos, os primeiros momentos são submetidos a instrução, treinamento propriamente militar, que por resumo são incutidos valores éticos e morais, senão patrióticos também, na base cívica gerada pela deontologia de cada sector(defesa ou segurança), que vão cultivando e preservando pela vida inteira. 

Porém, há um princípio, que os ingleses emprestaram do grego e denominam por "Ethos" ou propriamente "Worrion Ethos", traduzido: Ética do Guerreiro. Mas concretamente o que é Ethos!? É falar de Ética, que vem do grego “ethos” que significa modo de ser; “conjunto de valores que orientam o comportamento do homem em relação aos outros homens na sociedade em que vive, garantindo, outrossim, o bem-estar social”, ou seja, Ética é a forma que o homem deve se comportar no seu meio social. 

Por isso, é comum por exemplo, ouvir e ver expresso por aí, assim: todos homens nascem iguais, só alguns tornam-se… Marinheiros, Navegadores, Fuzileiro, Pilotos, etc. Estas palavras inspiram vidas, encorajam jovens e homens a servirem de forma incondicional o país em situações de grande dimensão longe de qualquer conforto e esperança em que o dinheiro não compensa. Mas, pouco destaca-se sobre os traumas e danos colaterais dos que voltam das linhas de combate ou das sequelas tidas depois de cumprimento das tarefas nobres em nome da Pátria. Passamos apresentar uma das éticas incutidas aos guerreiros, soldados preparados, prontos e moralizados ao serviço da nação. 

Ethos de um Guerreiro

De salientar que à medida que os militares ingressaram na carreira e passam para a condição militar, as declarações abaixo os cercam. Eles os ouvem. Eles os vêem. Eles os sentem de corpo e alma, interiorizam-nas, criam laços fazendo nas como um código de irmandade. São sagradas estas palavras:

  • Jamais aceitarei a derrota. Eununca vou desistir;
  • Eu nunca vou deixar um camarada caído;
  • Sou disciplinado, forte física e mentalmente, treinado e proficiente em minhas tarefas e exercícios de guerreiro; 
  • Nunca sei bom como militar, se não for bom como pessoa; e, 
  • Além de humano, o meu coração é de aço... 

Isso tudo, resumidamente, é jurado e é mais forte que qualquer outro pronunciamento político diante da causa. Mas então, o que acontece depois que eles vão ser postos a prova, quando vão, actuam e voltam dos campos de batalha, depois de cumprida a missão, exposição e envolvimento na acção de guerra acesa ser cumprida, o que vem de seguida:

  • Quando eles não se sentem física e mentalmente fortes, durante e depois de voltar? Nesta actualidade, em que as guerras são híbridas;

  • O que acontece quando há cruzamento da realidade, entre o custo de vida e honra de ter servido nas fileiras, onde a situação do custo de vida é elevadíssimo e às suas excelências não ligam com o que se passa na vida do último elemento na hierarquia?

  • Eles podem procurar ajuda externa? Quem os vai dar? A comunicação social, que só fica atenta às falcatruas para expor e vender os mal-entendidos?

  • Os outros membros das armas, serão condenados ao ostracismo por não viverem de acordo com a ética, no dia-a-dia, nas unidades, na sociedade por achar que ninguém os entende pelo que viram e passaram?

Não, não parecerem comuns estas questões levantadas, mas a resposta é: traumas e pesadelos – estigmas. Uma vez que dá-se pouca atenção para estes aspectos. E não são apenas mero pensamentos que passam pela cabeça dos membros das FDS, que andam por aí, depois de ver muita coisa no campo de batalha e voltam a inserção social, civil, em moldes como não são fáceis de se imaginar. 

Sem ligar para a falta de regularização de subsídio e outros suplementos, falta de assistência médica e medicamentosa advinda de fraca gestão de outros direitos sujeitos à eles. Alia-se a limitação de como e onde expor essas inquietações para logo haver uma satisfação favorável. Limitações que quando giram na cabeça deste combatente pode chegar a optar por suicídio. 

Os militares dos gabinetes, que não sabem o que é estar no terreno hostil em alerta ou abaixo do fogo do inimigo, sob condição climáticas inemaginaveis, são insensíveis ao tratamento ou tramitação desses casos para a sua resolução. Só assistem na Tv e nas redes sociais etc, como as coisas correram e quantos caíram.

O resto são cortes e abates nas folhas e nos armazéns. É como se o "empenhamento" tivesse caras, uma determinada linhagem de moçambicanos sujeitos e outros não. E aos sujeitos face às limitações para denunciar as irregularidades dos seus direitos, caem no desespero e frustração, que chega a causar sérios problemas psíquicos que até podem dar em suicídio. Não estou a insinuar, mas pode dar-se o caso de quem esteja passando por essas situações. 

Como vinha dizendo, desde o início do treinamento militar, os membros das FDS desenvolvem meios resistentes e resilientes para superar obstáculos mentais e físicos. Infelizmente, às vezes, superar esses obstáculos apenas intensifica os problemas que eles aparentemente desenvolvem ao superar. Ironicamente, os estigmas se desenvolvem em outros militares que estão lidando com questões semelhantes.

Os veteranos, por outro lado, fazem a transição de uma carreira de serviço que é composta por uma comunidade que resume as palavras de força e lealdade uns aos outros. Já que depois de cumprir sua obrigação de serviço, estão, agora, lidando com questões de saúde mental ou sanidade mental. Não houve e não aconteceu, também nem acontece: que alguns vão a reserva sem nenhuma informação antecipada para prepararem-se e são apenas surpreendidos com notificações imperativas de se desfazer da Unidade, imediatamente. 

Nos outros países há fóruns ou mecanismos onde eles pertencem a uma determinada comunidades, onde podem compartilhar os valores de serviço fazendo trabalhos comunitários, por forma a ajudar-lhes a superar os tais problemas. Mas não é relevante procurar saber se em Moçambique também há. Pelo menos o Ministério dos combates, que os acolhe ou o Comando dos reservistas acredito ter algum papel fulcral nesse aspecto. Se há, bem haja.

Mas no nosso caso, o que é reservado aos que regressam dos combates e aos que se tornam veteranos? Aos reformados, sabe-se que existe um fundo que os beneficia para a sua reinserção na sociedade. Pois alguns, muitos deles, depois do acto de desligamento directo, quando já são comunicados que já não estão na activa, às vezes, eles se sentem deslocados e têm dificuldade em se encaixar na sociedade. A questão é: 

  • O que que é que se faz para o efeito? Ou são descartados por caducidade! Já deram o que tinham que dar e prontos?

Estou de opinião, pessoal, sublinhando que não se trata de uma denúncia, é apenas uma reflexão sobre o facto. Na minha Opinião Pessoal, devia haver uma cultura baseada num serviços que valoriza-se a coesão, força e resiliência entre os regressados dos combates, conflitos político-militares nos Teatros de Guerra. Por que em muitos casos, essas mesmas crenças podem servir para promover e criar o estigma. 

Pelo que há necessidade de acompanhamento por um determinado período através dos serviços que podiam estar integrados na área de saúde, Doutrina ou Educação Cívico-Patriótica ou outro sector afim, como os Serviços Cívicos. Nem todos problemas são visíveis, alguns requerem atenção minuciosa. 

Traumas invisíveis no cérebro de um soldado.

Por exemplo, há preconceitos que indicam que os militares que vão procurar ajuda serão vistos como fracos. Enquanto aos veteranos, acham que buscar ajuda irá manchar sua imagem de força e honra conquistada através do serviço prestado. Mas em análise, podemos notar, que estes todos pressupostos são falsos. Pois é por falta da atenção destes e outras questões em que o suicídio mata mais militares que o combate estabelecido.

Mas então, como é que alguns estão lidando com o estigma e outros problemas?

Medicação através de fármacos. Temos muitas clínicas privadas, farmácias em qualquer esquina das vilas e cidades, cada combatente regressado, vai custeando suas doses de drogas na base do poder do seu bolso ou da pujança dos seus familiares. Em outros casos o refúgio tem sido o consumo de drogas e álcool. Mas a automedicação parece ser prevalente, tanto para veteranos quanto para militares que lidam com o estigma e o estresse associados a problemas de saúde mental, provocados nos campos de combate. 

Já há registos abstratos dos regressados dos Teatros, com transtornos físicos e mentais causados pela sua participação directa nos confrontos. Mas só falasse das populações deslocadas. E os sábios comandantes não se dão conta que os seus homens (subordinados) podem estar sujeitos a traumas, efeitos colaterais pela exposição directa na área dos conflitos, sejam os ocorridos na zona centro com as forças residuais ou junta militar da renamo e no norte com os insurgentes(que sua actuação é macabra, bárbara e perturbaddora).

São também raros os casos que alguns recorrem às práticas de meditação, desportos, artes e outras actividades culturais e de re-formação recreativas ou mesmo sendo lucrativas, afim de atingir algum grau de reestruturação e reabilitação moral e cívica, como forma de superação das sequelas, longe do seio militar onde foram causados.

Os transtornos mentais são mais delicados. E parece não fazer parte da nossa cultura a alocação de psicólogos nas Unidades militares, pouco sei se na polícia pode haver. Ao passo que danos físicos além de serem visíveis as vezes, é simples expor e ter algum privilégio seja no tratamento bem como na convivência entre os colegas ou na sociedade civil.

O que será necessário para parar com os problemas de estigma e outros transtornos?

Será necessária a intervenção das lideranças da FDS em todos os âmbitos, para apoiar aqueles que procuram ajuda, nos casos de problemas de saúde mental e física? Ou na melhor das hipóteses, essa pode ser mais uma oportunidade aberta à qualquer comunidade civil, que se interesse a desenvolver projectos para acolher esses militares de volta a vida normal e integração ou inserção a comunidade, com o mesmo apoio de quando entraram, sob campanhas de mobilizações feitas por entidades locais na altura do recenseamento.

Gostaria de ouvir na ribalta a se discutir este assunto. Que acho ser um tópico importante e as maneiras pelas quais, militares moçambicanos ou FDS no geral, podemos erradicar o estigma da saúde mental e aumentar a qualidade de vida, após regressados das zonas de risco, de conflitos; dos veteranos e outros membros do serviços de defesa e segurança e suas famílias. Até que alguns se repete envia-los pela indisponibilidade dos privilegiados e pela impossibilidade de contactar os fantasmas existentes nas folhas de pagamento e de alimentação(…).

Casos de superação com sucesso porém de forma isolada

Há camaradas que espiritualmente fortes lidam com os sintomas desses casos, dando a volta por cima, sem se mergulhar em drogas, nem optar por fármacos seja por razões de problemas de liquides ou outro, seguem por caminhos teológicos. Nesses casos, encontram refúgio nas casas de adoração espelhadas por aí, onde encontram acolhimento, consolo e alguma forma de ajuda, aconselhando o combante a abandonar o serviço.

Pouco se pode fazer, quando algumas condições não podem ser atendidas, "quem bem trata, leva por privilégio". Mas tendo a noção que alguns Estados foram destruídos sob influência de existência de algumas ceitas religiosas, quem se revolta, vinga-se melhor, pois conhece a táctica militar, somando com a crença dá-lhe seguro e promessa de um futuro glamoroso após o sacrifício.

Nesse sentido, perder bons militares por essa via, é pura negligência. Mas o país e constitucionalmente laico e sobre as religiões o cuidado é quase descuidado, embora ainda muito sensível intervir. Mas o radicalismo de algumas, encontram nestes resignados, os elementos chaves para suas investidas contra o Estado com o fim de desistablizar o governo do dia, na imposição das suas vontades e alcance dos seus obscuros objectivos, mesmo que a margem da vontade do povo.

Estrategicamente, mesmo o pessoal fisicamente inapto (por acidente de trabalho - actividades militares), deveria haver uma forma de condicioná-los, provendo-lhes de habilidades intelectuais, para servir nas tarefas e actividades administrativas e pacíficas que dispensam a aptidão física. Descarta-los não é uma opção inteligente, muito menos sábia. As vezes sucede que alguns militares que adquirem incapacidade física no desempenho das actividades, são quadros inteligentes e que dominam matérias militares que podem ser de alto valor para o inimigo. A sensação de invalidez pode dar uma oportunidade que ricochete os interesses da nação se estiverem sob cuidado alheios.

O certo é que há necessidade de fazer através da medicina legal na área de Saúde mental, talvez, o acompanhamento pré e pós empenhamento; Saúde financeira, garantir que o militar ganhe o mínimo para suprir o básico, o caso de arrendamento de casa, rancho, educação, saúde e até investimentos se não poupanças também.

Acautelados todos esses aspectos, espera-se alcançar a resolução do problemas de saúde social do soldado. Porque pode-se notar uma duplicidade de confrontos que o soldado sofre, pelo compromisso da sua comunidade militar e no próprio campo de batalha; bem como a pressão diária na sociedade onde vive inserido como cidadãos normal, depois do expediente.

Nota final

Opto particularmente, em despertar a consciência das lideranças sobre esta situação, a encorajarem qualquer ideia e projectos que tenham em vista a melhoria das condições de vida dos Soldados após fim de missão. Tanto quanto entram para servir, enquanto servem e depois de servir. Partilhar esse sentimento (artigo) até chegar a quem é de direito, não visará elevar o nome de quem pensou (escreveu), mas acho que melhorará a vida de quem luta por um Moçambique soberano, de paz e Próspero.

Aliás, primeiro, soldado ao serviço da Pátria não é um mercenário e já se devia saber consciencializar as futuros guerreiros que nas FDS o serviço importa mais que o dinheiro ganho. Mas pelo menos o salário mínimo suprir duas sextas básicas recheadas. São condições diferentes e que uma, a primeira, deve ter tratamentos diferenciados. A partir da noção que não se trata de colocar a vida à um preço por determinada actividade afim, é servir a nação. E não meramente um emprego que se resuma em dar a vida para ganhar dinheiro ou uma opção na falta das oportunidades para as profissões dos sonhos. Pois é sonho de uns defender a pátria-mãe ou mãe-pátria que lhe viu nascer ou o acolheu. 

A segunda, deve centrar-se na base em que apesar das dificuldades económicas relatadas nas paradas, a realidade fora do quartel, revela outra imagem. Ou, a imagem das FDS não condiz com a realidade económica do país. Um ou dois psicólogos em cada Unidade militar em terra ou flutuante já seria um grande avanço. Aliás a área de doutrina não se devia basear apenas na divulgação dos aspectos sociais de moral, ética e histórica, apenas. A ciências de saúde ligadas a psiquiatria e psicologia deviam figurar o profissional da ECP para minimizar os casos de estigma, stress, etc após do cumprimento das missões ou mesmo o recurso tradicional, para alguns casos espirituais que sejam delicados e deslocados da medicina legal. 

Adaptado, podes ter o original no: your nextmission. 

Abraços à :

E toda geração da AM que directamente esteve, está e tem se envolvido nas missões e aos que sempre  procuram de forma singela, singular e honesta (sem cobranças ilícitas), procuram ajudar aos  combatentes que não podem abandonar as  trincheiras para poder regularizar assuntos transversais à missão atribuída.


 

Tete, Maio de 2022



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