A MATERNIDADE COMO FONTE DE FELICIDADE VERDADEIRA
Nos últimos dias, uma imagem amplamente partilhada nas redes sociais exibindo agentes em fatos de protecção em Wuhan, acompanhada do título sensacionalista “CHINA CONFIRMS NEW VIRUS OUTBREAK AFTER MAN EATS BIRD CUM”, tornou-se viral e provocou reacções de choque, medo e repulsa. À primeira vista, o conteúdo aparenta ser uma notícia urgente atribuída à Reuters e datada de 28 de Dezembro de 2025. No entanto, uma análise rigorosa revela tratar-se de desinformação satírica grotesca, sem qualquer base factual ou científica.
A alegada história descreve um suposto surto de uma nova estirpe de gripe aviária causada por um camponês que teria consumido secreções cloacais cruas de pombos como “remédio tradicional” para aumentar a vitalidade. O carácter chocante da narrativa não é acidental: foi construído para gerar nojo, partilhas impulsivas e pânico colectivo.
Não existe qualquer registo oficial deste caso em fontes credíveis como a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Centro Chinês de Controlo e Prevenção de Doenças (CCDC), a Reuters ou outras entidades internacionais. As actualizações semanais da OMS sobre gripe aviária em Dezembro de 2025 não mencionam qualquer cluster em Wuhan ou na província de Hubei relacionado com práticas culturais deste tipo.
Os poucos casos humanos de H5N1 reportados na China em 2025 foram isolados, raros e bem documentados, sem ligação a consumos exóticos caricaturais. A origem desta narrativa pode ser rastreada até páginas de sátira, memes e contas não verificadas, posteriormente amplificadas fora de contexto — fenómeno já desmentido por plataformas de fact-checking.
Este episódio insere-se num padrão mais profundo e preocupante. A desinformação em questão explora estereótipos racistas e xenófobos historicamente associados à China e a outras culturas asiáticas, retratando-as como focos naturais de doenças devido a hábitos “exóticos”, “repugnantes” ou “primitivos”.
Desde a SARS (2003) até à COVID-19 (2019–2020), passando pelos memes recorrentes sobre wet markets, construiu-se uma narrativa global onde a China surge como o eterno “berço de pandemias”. O uso deliberado da expressão crua e vulgar “bird cum” não é inocente: serve para maximizar o choque emocional, o nojo e a viralidade, reforçando ideias simplistas como “os chineses comem tudo”, facilitando a propagação do medo e do preconceito.
Estas falsas notícias alimentam uma teoria da conspiração reciclada, onde a China é apresentada como um “laboratório de vírus” permanente, desviando a atenção de problemas reais e globais: falhas na vigilância sanitária, comércio internacional de animais, industrialização intensiva da pecuária e os efeitos da mudança climática na emergência de doenças zoonóticas.
Curiosamente, surtos recentes de H5N1 em vacas leiteiras nos EUA ou em aves selvagens na Europa raramente recebem o mesmo enquadramento cultural estigmatizante. O risco biológico não é exclusivo de um país ou cultura — é global.
Em Moçambique, onde enfrentamos desafios reais de saúde pública como malária, cólera e surtos recorrentes de doenças evitáveis, importa ter especial cuidado com estas narrativas importadas. Muitas vezes, elas servem agendas geopolíticas, mediáticas ou ideológicas, e não a ciência ou a saúde pública.
A verdadeira lição não está em apontar o dedo a hábitos “estranhos” de outros povos, mas em investir em educação mediática, pensamento crítico e consumo responsável de informação. O próximo grande risco sanitário global não virá de um meme grotesco, mas sim da negligência colectiva — em qualquer parte do mundo.
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